Ao avaliar por meio do exame de tomografia computadorizada um grupo de 90 diabéticos sem histórico e sem sintoma de doença cardiovascular, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) verificaram que 42,2% (38) dos pacientes apresentavam algum nível de obstrução nas artérias coronarianas. Em 15,5% (14) dos casos, a doença arterial coronariana foi considerada significativa, ou seja, já havia vasos com mais de 50% de obstrução.
Comparando os exames de diabéticos com a glicemia sob controle com os de pacientes com diabetes descompensada, os cientistas observaram que neste segundo grupo foi mais frequente a presença de placas ateromatosas consideradas “vulneráveis” (não calcificadas e que causam remodelamento local no vaso), cuja ruptura seria responsável por cerca de dois terços dos infartos.
O projeto “Diagnóstico de doença cardiovascular assintomática em portadores de Diabetes tipo 2” foi coordenado pelo médico Antonio Carlos Lerario, do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, e contou com apoio da FAPESP.
“Nosso objetivo era avaliar se esse método de diagnóstico por imagem não invasivo seria tão eficaz quanto o método padrão para detectar precocemente a doença arterial coronariana em pacientes diabéticos. Nesse grupo, o infarto agudo do miocárdio e o acidente vascular cerebral são a principal causa de morte. Além disso, a incidência desses problemas é maior que na população em geral”, afirmou Lerario.
Segundo o pesquisador, estudos anteriores já haviam mostrado que a diabetes favorece o surgimento de fatores de risco cardiovascular, como dislipidemia e hipertensão. Além disso, a doença está relacionada a maior inflamação e maior estresse oxidativo nas células do endotélio, o que causa uma espécie de envelhecimento precoce dos vasos sanguíneos.
De acordo com o pesquisador, atualmente a técnica mais comum para avaliação de doença coronariana é o cateterismo, que consiste em inserir um tubo longo, fino e flexível por um vaso do braço, da coxa ou do pescoço, até o coração. O exame é invasivo, requer anestesia e aplicação de contraste para que as placas ateromatosas sejam visualizadas.
Já a angiografia por tomografia computadorizada permite obter de forma não invasiva imagens tridimensionais detalhadas do coração e dos vasos sanguíneos por meio de raios X e uma aparelhagem complexa acionada por computadores de alta tecnologia. Entre as desvantagens estão o alto custo e a demora do procedimento.
“A maioria dos métodos de diagnóstico para doença arterial coronariana não consegue avaliar a presença de placas vulneráveis. Com a tomografia seria possível detectar os processos ateroscleróticos, mensurar o grau de estenose (estreitamento do vaso) e estimar a quantidade de cálcio nas placas”, explicou Lerario.
Outra possibilidade seria realizar um ultrassom intravascular – um tipo de cateterismo em que se coloca um equipamento ultrassom na ponta do cateter. Mas, segundo Lerario, esse método é ainda mais caro que a tomografia e exige muita habilidade do examinador.
Avaliação
O estudo foi feito com diabéticos de ambos os sexos que já faziam acompanhamento ambulatorial do HC-USP – sendo que apenas metade estava com a glicemia sob controle. A idade variou entre 40 e 65 anos, mas todos haviam sido diagnosticados diabéticos há menos de dez anos.
Todos passaram por um exame clínico e por um teste de esforço com eletrocardiograma que não revelaram problemas cardiovasculares. Já a angiografia por tomografia computadorizada mostrou que 42,2% dos 90 pacientes tinham algum grau de obstrução. Quando se considerou apenas o grupo com a glicemia descompensada, o índice subiu para 60%.
Já o índice de pacientes com obstrução significativa foi de 15,5% quando considerado todo o conjunto de diabéticos e saltou para 24,4% quando considerados apenas aqueles com a glicemia descompensada. Também nesse grupo foi maior o número de segmentos coronarianos afetados e de placas não calcificadas consideradas de maior risco.
Na avaliação de Lerario, a pesquisa não apresenta evidências robustas o suficiente para indicar a tomografia computadorizada como exame diagnóstico de rotina nesses casos – para isso seriam necessários novos estudos com casuística maior.
No entanto, afirmou o pesquisador, os resultados comprovam que a tomografia consegue, de fato, diagnosticar a doença arterial coronariana de forma tão sensível quanto o cateterismo, porém menos invasiva. “Além disso, os resultados mostram que uma placa pequena pode, às vezes, ser mais perigosa do que uma grande. Creio que a principal mensagem é que não apenas o nível de obstrução deve ser levado em conta na avaliação do risco, mas também o tipo de placa”, afirmou Lerario.