Identificar iniciativas com potencial para evitar internações desnecessárias de idosos e propor, para outras localidades, a implementação das que se mostrarem eficazes. Esse é um dos objetivos de uma pesquisa realizada pelo Núcleo de Estudos em Saúde Pública e Envelhecimento (Nespe) da Fiocruz Minas, em parceria com o Medical Research Center (MCR) do Reino Unido. O estudo foi concluído recentemente e compreendeu a análise da estrutura e funcionamento do Programa Maior Cuidado (PMC), desenvolvido em Belo Horizonte. Os resultados levaram à indicação da iniciativa para outros municípios e ainda possibilitaram melhorias para o próprio programa na capital mineira.
Criado em 2011, o PMC visa oferecer apoio ao cuidado domiciliar a idosos que vivem em situação de vulnerabilidade clínica e social. Para isso, o município custeia o trabalho de cuidadores que são supervisionados conjuntamente por equipes locais dos centros de saúde (CS) e centros de Referência em Assistência Social (Cras). O programa é desenvolvido por meio de parceria entre as secretarias municipais de saúde e de assistência social, sendo uma das poucas iniciativas dessa natureza, em toda a América Latina, com abordagem intersetorial.
Atualmente o programa é ofertado em todas as regionais do município. Os critérios para inclusão no PMC consideram, especialmente, a idade mínima de 60 anos, a renda, a vulnerabilidade social de cada família e o grau de dependência clínica e funcional do idoso. Uma característica importante do programa é não se limitar a saúde física, mas considerar as relações sociofamiliares e demais redes de apoio existentes na comunidade em que vive o idoso com o propósito de oferecer estratégias mais abrangentes para o cuidado.
A pesquisa que avaliou o PMC foi realizada entre agosto de 2018 e abril de 2021. No decorrer desse período, os pesquisadores analisaram o funcionamento do programa por meio de metodologias combinadas, que incluiu coleta de dados secundários, análise documental, observações empíricas de reuniões com as equipes que atuam na gestão do programa, sessões de grupos focais, além de entrevistas com cuidadores, idosos e seus familiares, técnicos e coordenadores do programa. Os resultados mostraram que o PMC é apreciado e valorizado por todos os envolvidos, o que tem garantido a sua continuidade há 10 anos, resistindo inclusive a mudanças de gestão no município.
“A sobrevivência a diferentes gestões é um indício de que o programa realmente faz a diferença. Além disso, a pesquisa revelou que o PMC impacta vários atores envolvidos na dinâmica do cuidado. Para os idosos, permite que eles recebam cuidados no próprio lar. Para os familiares, funciona como um apoio importante para evitar a sobrecarga. Por sua vez, para o cuidador, a contratação tem um papel fundamental enquanto fonte de renda. De forma unânime, a avaliação geral foi bastante positiva”, afirma a pesquisadora Janaína Aredes, do Nespe da Fiocruz Minas.
Oportunidades para melhorias
Além de constatar a boa avaliação do programa por parte dos envolvidos, o estudo apontou algumas fragilidades na execução e operacionalização do PMC. Uma delas, identificada nas discussões com os grupos focais e também na análise documental, mostrou haver poucos materiais oficiais definindo o status institucional do programa, bem como diretrizes de gestão ou protocolos de colaboração entre as equipes.
“Não havia nenhum documento oficial que conferisse uma identidade institucional para o PMC. Essa constatação foi apresentada aos gestores no decorrer da pesquisa e repercutiu em melhorias para o programa. Um exemplo foi a construção e publicação, no final de 2019, da portaria conjunta do PMC. Trata-se do primeiro documento que formaliza a iniciativa e define as atribuições de corresponsabilidades intersetoriais entre as duas gestões. Essa formalização foi discutida juntamente com técnicos e gestores, em oficina que contou com o apoio da equipe do estudo”, conta a pesquisadora.
Outra fragilidade observada, consequência da falta de institucionalização existente no programa, foi a utilização de registros de informações que não teriam utilidade prática. De acordo com a análise, uma série de dados era registrada pelas equipes locais, que muitas vezes se diferenciavam conforme a regional atendida e não tinham relevância para a tomada de decisões. Por outro lado, faltavam informações importantes, como as relacionadas à fila de espera.
“Havia uma ausência de sistematização, impactando na ausência de dados numéricos, como, por exemplo, o número de idosos aguardando para entrar no PMC. Identificamos, assim, a necessidade de revisão e adaptação de instrumentos e protocolos de gestão, incluindo o desenvolvimento de registros mais sistemáticos e simplificados, restritos a informações que, de fato, sejam otimizadas, sobretudo, para o monitoramento de indicadores. Esse novo procedimento passou a ser adotado, antes mesmo da conclusão do estudo”, afirma Aredes.
Os pesquisadores também se depararam com alguns questionamentos em relação aos critérios para a entrada de idosos no programa. Para a equipe responsável pela pesquisa, essa questão é mais reflexo da falta de recursos que passam as áreas de saúde e assistência social do que uma fragilidade do PMC. Ainda de acordo com os pesquisadores, a divulgação dos resultados preliminares do estudo potencializou a ampliação do programa, que passou de 524 para 633 famílias atendidas, no final da pesquisa.
Desdobramentos do estudo
Além de avaliar uma prática com potencial para evitar hospitalizações e institucionalizações de pessoas idosas, a pesquisa identificou a aplicabilidade do PMC para outros contextos locais e nacionais. A divulgação dos resultados da avaliação favoreceu o interesse de outros municípios em replicar a experiência do PMC, como Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte; e Fortaleza, capital do Ceará. O PMC foi apresentado ao município de Fortaleza e contou com a adesão do governo estadual para financiamento de um estudo piloto, que adotará os principais elementos do PMC adaptados ao cenário local.
Segundo os pesquisadores, até o momento, o Brasil fez poucos progressos na integração dos serviços de saúde e assistência social para idosos. Daí a importância de avaliar as iniciativas que existem no país com essa abordagem e incentivar o emprego das que se mostrarem eficazes para outras localidades. Atualmente, o Brasil possui a 6ª maior população de idosos do mundo, com aproximadamente 30 milhões de pessoas com 60 anos ou mais, o que representa 15% da população total. Até 2030, esse número vai superar o de crianças e adolescentes e, até 2050, chegará a 64 milhões de pessoas, 30% da população brasileira.
Deve-se ressaltar que o envelhecimento da população no país se dá em um contexto de crise econômica e profundas desigualdades sociais e de gênero, que foram exacerbadas pela pandemia de Covid-19. Mesmo antes da crise sanitária, já se constatava a necessidade de administrar as pressões sobre o SUS. Estudos anteriores relatam que admissões hospitalares e longas internações são, em parte, devido à falta de apoio para o cuidado na própria comunidade que o idoso vive. A permanência desnecessária em hospitais expõe os idosos a outros riscos à saúde, além de contrariar o desejo de muitos deles de permanecer em suas próprias residências tanto quanto possível.
“O que esta pesquisa propõe é um novo conceito de gestão em saúde, ao analisar práticas locais que possam evitar institucionalizações, hospitalizações, idas a emergências. É o que está sendo proposto como: transferência evitável do domicílio. E isso o PMC mostrou-se capaz de fazer. A frase que muito bem resume essa iniciativa é: o mínimo que é feito representa muito não apenas para as pessoas envolvidas, mas para os serviços de saúde e assistência social”, destaca Aredes.
É nesse contexto que se insere o estudo que analisou o PMC. A pesquisa intitulada Melhorando a efetividade e a eficiência dos serviços de cuidados sociais e de saúde para idosos teve como instituição proponente a Fiocruz Minas e parceria internacional, firmada entre o Medical Research Center (MRC) do Reino Unido e a Confederação de Fundações de Amparo à Pesquisa Brasileira, com a participação da Fapemig e da Funcap. Compõem a equipe responsável pela pesquisa: Josélia Firmo (Nespe\Fiocruz Minas), Peter Lloyd-Sherlock (University of East Anglia, Reino Unido), Janaína Aredes (Nespe\Fiocruz Minas), Karla Cristina Giacomin (Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte / Nespe\Fiocruz Minas).