Estudo realizado no Centro de Referência Prof. Hélio Fraga (CRPHF/ENSP/Fiocruz), em parceria com o Laboratório de Biologia Molecular Aplicada a Micobactérias (Labmam/IOC/Fiocruz), mostra a eficácia de duas técnicas de genotipagem em cepas de Mycobacterium tuberculosis, circulantes no Rio de Janeiro, que apresentam resistência aos fármacos existentes. As técnicas proporcionaram o entendimento dos casos de transmissão da tuberculose em um grupo de pacientes do município.
O estudo foi apresentado na sessão científica Polimorfismo Genético em Cepas de Mycobacterium tuberculosis com Resistência Múltipla a Drogas, realizada na quinta-feira (13/5), no auditório do Centro de Referência Prof. Hélio Fraga, em Jacarepaguá, pela pesquisadora Fatima Cristina Onofre Fandinho Montes, do Laboratório de Bacteriologia da Tuberculose do CRPHF.
Inicialmente, a bióloga apresentou a história e o período aproximado do surgimento da tuberculose no mundo. "É uma doença que aflige a espécie humana há pelo menos cinco mil anos", comentou Fatima Fandinho. Segundo ela, acreditava-se que a doença seria erradicada rapidamente. Entretanto, destacou, recentemente a doença ressurgiu associada às cepas com resistência múltipla a drogas e à Aids.
Segundo Fatima, o objetivo da pesquisa foi caracterizar, no nível molecular, cepas de Mycobacterium tuberculosis circulantes no Rio de Janeiro, com resistência múltipla aos fármacos. Para isso, foram efetuadas técnicas de genotipagem ou tipagem molecular de cepas de M. Tuberculosis por técnicas padronizadas: o RFLP (Restriction Fragment Lenght Polymorphism baseado na sequência IS, RFLP – 6110) e o Spoligotyping.
Técnicas utilizadas identificaram semelhanças entre cepas
De acordo com a pesquisadora, as técnicas utilizadas foram capazes de detectar semelhanças e diferenças entre cepas, permitindo verificar quais cepas são provenientes da mesma fonte de infecção, assim como a distribuição filognética das cepas em uma determinada região geográfica e durante um determinado período.
A detecção de resistência à Rifampicina (droga utilizada no tratamento primário da tuberculose) também foi efetuada por técnica de biologia molecular, baseada em uma metodologia de hidridização reserva (Rifoligotyping) para detectar mudanças pontuais no gen rpoB, considerado responsável no nível molecular por resistência à Rifampicina.
Foram estudadas cerca de 150 cepas isoladas entre o período de 1996 a 2000, armazenadas no Centro de Referência Prof. Hélio Fraga. Após submetê-las às técnicas de genotipagem citadas, foi possível observar, segundo a pesquisadora, que, através do RFLP – IS6110, a maioria das cepas apresentou perfis únicos, sugerindo que os pacientes que albergavam essas cepas foram infectados em períodos distintos ao longo da vida. Entretanto, algumas cepas foram separadas em grupos ou clusters, sugerindo a transmissão recente dessas cepas agrupadas e que alguma relação epidemiológica entre esses pacientes possa ter ocorrido.
A pesquisadora explicou que, por meio da genotipagem por Spoligotyping do total de cepas, observou-se um grupo significativo dos casos de tuberculose nesse estudo causado por cepas da denominada Família LAM, característica encontrada frequentemente em estudos com cepas de pacientes da América Latina.
Em relação à detecção de mutação no gen rpoB através do Rifilogotyping, verificou-se a predominância de mutação nos códons (posições dentro do gene) 531,526 e 516, conforme descrito em diversos estudos publicados, utilizando cepas de diferentes países. Analisando dados epidemiológicos de pacientes cujas cepas foram estudadas e os dados obtidos por meio da genotipagem dessas cepas foi possível detectar a transmissão de M. tuberculosis com resistências múltiplas a drogas entre contatos intradomiciliares.
Abandono do tratamento é a principal causa da falha no tratamento
"Com base em estudos anteriores realizados na população do Rio de Janeiro, podemos sugerir que o abandono é a principal causa da falha no tratamento da tuberculose, tendo como consequência o estabelecimento de casos crônicos. O estudo mostrou também a complexidade do tratamento de certos casos com TB-MDR e a permanência da mesma cepa ao longo dos anos. Fato que reforça a necessidade de diagnóstico rápido e tratamento adequado de tuberculose multirresistente", explicou a pesquisadora.
A partir desse trabalho, segundo ela, foi possível verificar a frequência das mutações em pacientes MDR e/ou crônicas; essa frequência não parece ser muito diferente de pacientes com resistência mais simples, embora ainda precise de uma analise estatística mais rigorosa.
"Os resultados mostram a gravidade da situação de cepas resistentes a múltiplas drogas (MDR) na cidade do Rio de Janeiro, contudo torna-se necessário reunir esforços e conhecimentos dos mecanismos de resistência para combater a tuberculose multirresistente. A busca de novos métodos tem sido um dos alvos principais de pesquisas científicas, e espera-se contribuir para melhor entendimento dos mecanismos de resistência e da transmissão dessas cepas na população", disse ela.
Fátima concluiu a apresentação destacando que a combinação de métodos moleculares permitiu comprovar a transmissão de cepas MDR com maior grau de confiança e, ainda, que o conhecimento no nível molecular, em relação à transmissão da tuberculose (TB), pode auxiliar na melhoria de programas de controle da doença.