Especialistas do Ministério da Saúde (MS) e da Fundação Oswaldo Cruz seguem acompanhando a investigação de casos suspeitos de febre amarela silvestre em Minas Gerais. De acordo com os dados divulgados pela Secretaria Estadual de Saúde de Minas Gerais (SES/MG) na sexta-feira (13/1), existem 20 casos prováveis de febre amarela silvestre, com dez óbitos prováveis. Ao todo, são 133 casos suspeitos notificados e 38 mortes suspeitas da doença em 24 municípios.
Doença infecciosa febril aguda, causada por um vírus transmitido por mosquito, a febre amarela não é registrada em centros urbanos do Brasil desde a década de 1940. Os casos em investigação em Minas Gerais se referem à febre amarela silvestre, presente em regiões silvestres, rurais ou de mata no país. A febre amarela silvestre e a febre amarela urbana são causadas pelo mesmo vírus, mas são transmitidas por diferentes mosquitos.
“Apesar de a área acometida ser considerada área de potencial transmissão de febre amarela, sem ter havido expansão até o momento para novas áreas, o número de casos observados é acima do esperado, levando a maior preocupação”, afirma o médico infectologista André Siqueira, integrante da equipe do Laboratório de Pesquisa Clínica em Doenças Febris Agudas do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz). “Uma conjunção de fatores pode estar associada ao aumento de casos de febre amarela, todos relacionados a certa elevação da quantidade de vírus da febre amarela circulante em determinada região, valendo destacar: um aumento da população suscetível (não imune) tanto de humanos quanto de macacos; maior proximidade entre macacos, mosquitos e humanos que podem se dever a fatores ambientais, climáticos e/ou demográficos; e baixa cobertura vacinal”, explica.
Segundo o pesquisador, a diferente classificação de febre amarela urbana e silvestre diz respeito ao ambiente ou contexto onde a transmissão ocorre. Na febre amarela silvestre, os mosquitos dos gêneros Haemagogus e Sabethes transmitem o vírus e tem os macacos como os principais hospedeiros. A contaminação de seres humanos ocorre quando uma pessoa não vacinada é picada por um mosquito contaminado pelo vírus. Na febre amarela urbana, o vírus é transmitido pelo mosquito Aedes aegypti ao homem. Especialistas reforçam que o vírus nunca é transmitido de ser humano para ser humano.
Restrita a algumas regiões do Brasil, a febre amarela tem como sintomas iniciais febre, calafrios, dor de cabeça, dores nas costas, dores no corpo em geral, náuseas e vômitos, fadiga e fraqueza. Em casos graves, a pessoa pode desenvolver febre alta, icterícia (coloração amarelada da pele e do branco dos olhos), hemorragia e, eventualmente, choque e insuficiência de múltiplos órgãos. Se não for tratada rapidamente, a febre amarela pode levar à morte em cerca de uma semana.
De acordo com especialistas, não há tratamento específico para a febre amarela. A vacinação continua sendo a principal medida de prevenção contra a doença, além do controle do vetor. Produzida pelo Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz), a imunização é oferecida gratuitamente no Calendário Nacional de Vacinação do Sistema Único de Saúde (SUS).
“A prevenção contra a febre amarela se dá pela proteção contra a picada de mosquitos com o uso de repelentes e roupas protetoras e com o uso da vacina. A vacina é altamente eficaz e segura nos grupos indicados, conferindo, segundo orientação da OMS, proteção duradoura com uma única dose (o Brasil, no entanto, opta por recomendar e oferecer ao menos uma dose de reforço após 10 anos da primeira)”, esclarece André. “A grande vantagem da vacina é que mesmo que a pessoa receba a picada (já que pode haver dificuldades na cobertura de toda a superfície corporal com repelentes ou reaplica-lo nos intervalos necessários), ela está imunizada. Vale lembrar que crianças abaixo de 6 meses, gestantes e idosos acima de 65 anos, bem como indivíduos em tratamento ou com condições que levem a depressão da imunidade, não devem tomar a vacina ao menos que haja recomendação explícita do médico”, destaca.
Os estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Espírito Santo e Rio de Janeiro estão fora da área de recomendação para a vacina. Quem vai viajar para regiões silvestres, rurais ou de mata deve se vacinar contra a febre amarela com pelo menos dez dias de antecedência. Para residentes em áreas de risco, o Ministério da Saúde recomenda, para crianças, a administração de uma dose aos 9 meses de idade e um reforço aos 4 anos. Para pessoas a partir de 5 anos de idade que receberam uma dose da vacina, é necessário um reforço; para quem que nunca foi vacinado ou não possui comprovante de vacinação, é preciso administrar a primeira dose da vacina e um reforço após 10 anos. Pessoas que já receberam duas doses da vacina ao longo da vida já são consideradas protegidas.
Fiocruz no combate da febre amarela
Além de ser reconhecida internacionalmente como fabricante de vacina antiamarílica, a Fundação Oswaldo Cruz também cumpre papel importante na prevenção, monitoramento e controle da situação, com apoio à vigilância epidemiológica realizada por estados e municípios. A Fiocruz colabora de forma estreita com o MS com a formação de pessoal, desenvolvimento de tecnologias e produção de conhecimento científico no aprimoramento da detecção precoce de cenários de vulnerabilidade e de situações de risco para a tomada de decisão voltadas à proteção da população contra a febre amarela. Os ciclos de ocorrência de febre amarela silvestre, que implicam na participação de espécies de macacos na circulação do vírus, tem apresentado o desafio do desenvolvimento de modelos de vigilância e sistemas de alerta voltados ao monitoramento continuado do comportamento da saúde dos macacos nas regiões endêmicas.
A Fundação realiza pesquisa, desenvolvimento tecnológico e inovação relacionados à biologia molecular do vírus e ainda atua como centro de referência no esclarecimento de casos suspeitos de febre amarela. A Fiocruz também efetua análises laboratoriais em toda a cadeia completa de diagnóstico da doença (sorologia IgM e IgG; PCR; isolamento viral e estudo de genotipagem; imunofluorescência e imunohistoquímica). A instituição trabalha ainda diretamente com o MS e o SUS no desenvolvimento de protocolos de diagnóstico e do manejo clínico de pessoas suspeitas de terem contraído a febre amarela, sendo centro de referência para este fim em suas unidades assistenciais.
Em entomologia, o prestígio obtido por Oswaldo Cruz, Carlos Chagas e Artur Neiva nas campanhas contra malária, febre amarela e a peste bubônica, no início do século 20, permitiu a criação de condições para o estabelecimento de um centro de entomologia com projeção no cenário mundial pelos descobrimentos em vários campos. Hoje, o Departamento de Entomologia do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) conta com uma das maiores coleções entomológicas da América Latina, com mais de um milhão e 200 mil exemplares no seu acervo, localizado no Castelo Mourisco. Entre as principais linhas de investigação destacam-se os estudos sobre taxionomia, sistemática, biologia, ecologia e potencialidade vetora de diversos mosquitos, incluindo aqueles transmissores da febre amarela.