Especialistas debatem rumos da saúde pública no Brasil

Na tarde do segundo dia (25/8) do I Congresso Brasileiro de Política, Planejamento e Gestão em Saúde da Abrasco, uma das mesas de debates mais concorridas foi Perspectivas para a Saúde no século XXI, que reuniu o pesquisador da ENSP Adolfo Chorny, a pesquisadora da Unisantos-SP Amélia Cohn e o pesquisador do Ipea-DF Jorge Abrahão de Castro. Em pauta, três diferentes visões sobre os parâmetros que situam a saúde pública no século atual. 

Abrindo as palestras, Adolfo Chorny lembrou que é um anarquista e gosta de discutir essa temática. "Ou se critica como está a saúde pública no Brasil para se seguir em frente ou está tudo bem, e não temos nada a falar", disse. Segundo o pesquisador, há uma grande diferença entre o planejar e o programar a saúde. Planejar significa o que ou como, e programar a saúde determina com precisão o cumprimento desse planejamento.

Para Chorny, a saúde brasileira passa por dois grandes problemas. O primeiro deles é que é impossível pensar saúde no Brasil sem cidadania. "Não temos cidadania plena, e sim cidadania regulada em que nem todos têm o mesmo grau de cidadania. É neste ponto que encontramos a desigualdade", disse. A segunda questão diz respeito a como se avaliar o cumprimento dos objetivos colocados para a saúde. Ele lembrou que o país ocupa o 75º lugar no Índice de Desenvolvimento Humano do mundo. "Isso é um indicador de resumos que não significa absolutamente nada, mas que todo o mundo discute. Os componentes do IDH são renda, educação e saúde, mas as diferenças entre os países acabam sendo mínimas em valores numéricos", afirmou.

Para ele, "estamos perdendo o conhecimento para várias medições. Temos de lembrar que indicadores não medem, apenas qualificam e ordenam, mas não mensuram nada. Nossa compreensão deve ir além dos números", criticou. Segundo ele, para se pensar a saúde no Brasil é fundamental pensar no contexto mundial atual, porque o país ainda tem uma grande dependência tecnológica, científica e de relações com o resto do mundo.

Sobre o SUS, Chorny defende um Sistema Único de Saúde inteligente e não o que ele classificou de dogma. "As teorias e formulações originais do SUS devem estar em constante mudança para acompanhar o que vem acontecendo na sociedade moderna", encerrou.

A segunda exposição foi da pesquisadora Amélia Cohn, que defendeu a retomada da discussão da reforma sanitária por vias diferentes. Para ela, "a reforma sanitária é vítima de suas próprias conquistas e avanços. Temos de renovar os discursos e nos debruçar sobre as grandes questões de saúde que o Brasil enfrenta hoje", disse.

Amélia Cohn também classificou de ‘eterna discussão’ a questão do financiamento da saúde. "Será que o real problema do SUS é a falta de recursos? Se tivéssemos esses recursos, o que faríamos? Será que estamos no caminho certo?" Para a pesquisadora, a comunidade científica deve se reunir para debater se o SUS, criado em 1988, é viável no Brasil de hoje. "O mundo mudou, a sociedade mudou, mas continua debruçada sobre os mesmos paradigmas da década de 80. Temos um SUS como dogma, e não como uma proposta inteligente. É para isso que estamos aqui: discutir o que fazer daqui para frente", afirmou.

Para a pesquisadora, ficar no discurso de um SUS pobre para pobre é algo pobre. O Estado e a sociedade devem se unir para repensar a saúde dentro do sistema de proteção social brasileiro. "A reforma sanitária original vinha acompanhada de uma proposta mais ampla para a sociedade, e hoje isso se perdeu. A saúde e a reforma sanitária têm uma enorme responsabilidade na construção de um país menos desigual e mais justo para todos", disse.

A última palestra da mesa foi do pesquisador Jorge Abrahão que, diferentemente das exposições anteriores, focou sua apresentação em números levantados por pesquisas do Ipea. Segundo Jorge, por meio de leituras dos mais variados indicadores, é possível perceber os avanços das políticas sociais implantadas no Brasil. "De uma forma ou de outra, toda a população brasileira é atingida pelas políticas sociais federais", disse.

Em números, o gasto social federal através do PIB era de 3,2% na década de 60 e, em 2005, saltou para 13,5%, o que resultou em quase 22% de gastos públicos do PIB em políticas sociais. Segundo Jorge, as áreas que mais receberam investimentos do PIB foram: previdência social, saúde, educação e assistência social.

Sobre o circuito econômico gerado a partir de investimentos resultantes de políticas sociais, o pesquisador revelou que cada real gasto na área social gera um aumento de R$ 1,06 na renda de uma família. Embora isso seja positivo e colabore com a redução da desigualdade, esse mesmo real investido gera um retorno de R$ 0,56 para os cofres públicos. "Temos de mudar isso. O sistema tributário brasileiro está sugando dos mais pobres, fazendo com que a desigualdade social no Brasil caia de forma mais lenta", afirmou.

"Se colocarmos 1% do PIB na saúde pública, o retorno para o país é de 1,7%, mostrando que os investimentos em saúde são viáveis. A saúde faz girar a roda do crescimento no país, mais até que o agronegócio", encerrou.

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