Efeito é causado pelo aumento de radicais livres. Descoberta de pesquisadores do Instituto de Química da USP é surpreendente por ir contra os resultados encontrados em outros órgãos, como o fígado e o coração
Em pesquisas anteriores, realizadas em órgãos como fígado e coração, os resultados apontaram que a restrição calórica era positiva na prevenção de lesões em células.
Mitocôndrias renais de ratos submetidos à restrição calórica geram maior quantidade de radicais livres, o que pode favorecer a morte das células. A conclusão faz parte de um estudo do grupo de pesquisa da professora Alicia Kowaltowski, do Instituto de Química (IQ) da USP, que teve como autor principal Julian Serna, doutorando pelo IQ. O trabalho foi descrito no artigo Regulation of Kidney Mitochondrial Function by Caloric Restriction publicado no periódico American Journal of Physiology-Renal Physiology, em maio deste ano.
“O grupo tem estudado há muito tempo a restrição calórica órgão por órgão, então, a gente olhou o fígado, o coração e não tínhamos olhado o rim ainda”, explica Alicia, ao Jornal da USP, sobre a motivação para estudar os rins. Nos outros órgãos, os estudos indicaram que a restrição calórica era positiva na prevenção de lesões em células: “Foi uma surpresa muito grande, a gente não tinha visto nenhum órgão que gerasse mais radicais livres e tivesse menos proteção da mitocôndria. Quando a gente tem uma surpresa, ela abre portas para analisarmos outras coisas”, comenta a professora sobre os resultados da pesquisa.
As mitocôndrias são organelas responsáveis pela respiração celular, processo que extrai a energia armazenada na glicose, fazendo com que essa energia possa ser utilizada nas atividades celulares.
A ação dos radicais livres e do cálcio
Para analisar como a restrição calórica afeta o órgão, ratos foram separados em dois grupos: um de animais que poderiam comer livremente e um com a redução de 40% da quantidade de comida consumida. Alicia ressalta que essa restrição calórica não teve o objetivo de deixar os ratos muito magros e sim de prevenir a obesidade: “Pelo contrário, o rato que não é restrito pode comer tudo o que quer e fica obeso, então, quando restringimos a dieta, temos um grupo de ratos normal em peso”. Esses ratos também foram alimentados com suplementos de vitaminas e minerais no mesmo nível que os outros a fim de evitar desnutrição.
Analisando os efeitos de cada um dos grupos de ratos foi possível concluir que a restrição calórica afetou de forma negativa as mitocôndrias dos rins e também compreender o porquê desse impacto.
Com a restrição calórica, houve aumento dos radicais livres — moléculas instáveis que atuam como um agente oxidante nas mitocôndrias.
Nas mitocôndrias com mais radicais livres, foi observada uma maior absorção de cálcio (Ca2+), o que pode causar lesões. Julian Serna ressalta que o cálcio, por mais que, na maioria das vezes, seja associado pelas pessoas à formação de ossos, também está presente nos fluidos corporais, dentro e fora das células. Na função menos conhecida, o cálcio regula diversas atividades da célula, parte delas na mitocôndria, onde determina a velocidade da síntese de adenosina-trifosfato (ATP), importante para a produção de energia.
“Em pequenas quantidades, o cálcio é bom para ativar a mitocôndria mas, em grandes quantidades, ele termina por estragá-la, o que é conhecido como transição da permeabilidade mitocondrial”, aponta o pesquisador.
A captação de cálcio na mitocôndria ocorre por meio do canal uniporter mitocondrial (MCU) orientado pelas proteínas acessórias MICU2. Essas proteínas estavam em menor quantidade nos rins dos animais, o que foi relacionado à maior capacidade de captar cálcio. A diminuição no número das proteínas MICU2 é consequência da ação oxidativa dos radicais livres.
As mitocôndrias afetadas por essas etapas podem ser lesionadas e, consequentemente, levam à lesão das células, pois a produção de energia é afetada.
Um dos fatores mais importantes da pesquisa foi descobrir que nem todos os órgãos são afetados positivamente pela restrição calórica. “Quando é observada alguma coisa positiva, em uma condição específica, as pessoas tendem a generalizar”, aponta Serna. Porém, é importante ter cuidado com isso, pois, na verdade, efeitos positivos e negativos podem variar dependendo das condições.
Os próximos passos
Um dos fatores mais importantes da pesquisa foi descobrir que nem todos os órgãos são afetados positivamente pela restrição calórica. “Quando é observada alguma coisa positiva, em uma condição específica, as pessoas tendem a generalizar”, aponta Serna. Porém, é importante ter cuidado com isso, pois, na verdade, efeitos positivos e negativos podem variar dependendo das condições.
Alicia lembra que essa descoberta é uma entrada para fazer mais estudos que expliquem melhor sobre essa relação: “Não sabemos se quem já tem tendência a danos renais estaria mais propenso a eles, ou se a longo prazo isso facilitaria danos nos rins, ou se isso se traduz de ratos para pessoas”, pondera a professora.
Mais informações: e-mail alicia@iq.usp.br, com Alicia Kowaltowski e e-mail julian95cs@gmail.com