Em doadores de sangue, notificação de morte por Chagas é imprecisa

Mortes entre os doadores soropositivos para a doença podem ser maiores do que as notificadas oficialmente, aponta estudo

As mortes causadas por doença de Chagas podem ser maiores do que as oficialmente notificadas. É o que mostra um estudo realizado no Instituto de Medicina Tropical (IMT) da USP que acaba de ser publicado como um artigo na revista internacional PLOS Neglected Tropical Diseas. De acordo com dados, entre os candidatos a doação de sangue, no período de 1996 e 2000, na Fundação Pró-Sangue-Hemocentro de São Paulo, foram registradas 159 mortes entre doadores de sangue constatados como soropositivos para a doença nos testes de triagem. Destas, somente 26 foram notificadas tendo como causa básica do óbito a doença de Chagas.

De acordo com a pesquisadora Ligia Capuani, fica clara a necessidade de melhor se notificar as causas de morte por Chagas. É comum indivíduos não saberem ser portadores da doença. São os chamados pacientes assintomáticos. Em 2008 ela deu início ao estudo que resultou em sua tese de doutorado Mortalidade entre doadores de sangue soropositivos para doença de Chagas (1996-2000) em São Paulo: um estudo de relacionamento probabilístico de dados, pelo Programa de Doutorado do Departamento de Moléstias Infecciosas e Parasitárias da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), com orientação da professora Ester Cerdeira Sabino, atual diretora do IMT.

“O processo de doação no banco de sangue compreende uma entrevista prévia. Após a coleta do material, as bolsas passam por testes para várias doenças, entre elas Chagas”, conta Ligia. “É quando em alguns casos se detecta a doença.” A partir daí o paciente é notificado a retornar para ser encaminhado a um tratamento. Segundo a pesquisadora, nem sempre esses pacientes comparecem de volta para o encaminhamento.

Cruzando dados

No Banco de Sangue a pesquisa envolveu 2.842 doares soropositivos e outros 5.684 soronegativos para todas as doenças. De posse destes números, Ligia, que é formada em matemática, realizou um cruzamento com dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade do Brasil (SIM), do Ministério da Saúde, relativo ao período 2001 e 2009. “O SIM é o sistema que permite acesso aos atestados de óbitos e que existe desde 1975, quando o Brasil passou a ter um atestado de óbito padrão”, conta. Desde lá, as informações do SIM vem se aprimorando, e em 2001 passou a ter dados com o nome das pessoas, o que permitiu o presente estudo. Entre os 5.684 pacientes soronegativos registou-se um total de 103 mortes. Assim, foi possível constatar que o risco de morte entre os soropositivos é 2,3 vezes maior em relação aos doadores soronegativos.

Das 159 mortes registradas entre os soropositivos, somente 26 constavam Chagas como causa básica. Outras 58 estavam relacionadas a doenças cardíacas que poderiam estar vinculadas a doença de Chagas, segundo a professora Ester Sabino (entre elas: cardiomiopatia dilatada, outras hipertrofias do coração, arritmia ventricular, taquicardia ventricular, fibrilação ventrícular, insuficiência cardíaca congestiva, insuficiência do venctrículo esquerdo, insuficiência cardíaca inespecífica e cardiomiologia). “Entre os 45 óbitos com causas relacionadas a Chagas, 23 mortes não tiveram nenhuma menção à doença”, ressalta a docente. “As pessoas que morreram com a doença podem ser muito mais.”

Como o HIV e HCV

De acordo com a professora Ester, a doença de Chagas é tão frequente quanto o HIV (Aids) e o HCV (Vírus da hepatite C), mas o que ocorre, na opinião dela é um “descaso”. Considerada antes uma doença rural, ela já pode atualmente ser analisada como uma doença urbana. Causada pelo protozoário Trypanosoma cruzi, é transmitida aos humanos principalmente pelas fezes do inseto barbeiro. O paciente é infectado quando é picado e, ao coçar, leva as fezes do inseto para dentro do ferimento.

Após alguns sintomas como inchaço, febre, mal estar e dor de cabeça, os sinais da infecção desaparecem e podem não voltar por décadas. Em sua segunda etapa, já na fase crônica, o paciente apresentará problemas cardíacos, neurológicos e digestivos. A professora informa ainda que a única droga para tratamento da doença é o benzonidazol. “Esta droga não é de fácil acesso a quem tem a doença. Além do mais, é sabido que o HIV e o HCV recebem mais verbas de incentivo dos órgãos governamentais para estudos e pesquisas, enquanto há pouco investimento para a doença de Chagas”, lamenta a docente.

Além da professora Ester Cerdeira e Ligia Capuani, assinam o artigo os cientistas Ana Luiza Bierrenbach, Airlane Pereira Alencar, Alfredo Mendrone Jr., João Eduardo Ferreira, Brian Custer e Antonio Luiz P. Ribeiro.

Mais informações: Ester Sabino, no e-mail sabinoec@gmail.com, ou Ligia Capuani no lcapuani@gmail.com.