DNA vira ‘código de barras da vida’ em rede de pesquisa

De modo semelhante ao código de barras de um produto no supermercado, a partir do qual é possível identificá-lo e obter informações sobre ele, uma iniciativa que abrange pesquisadores de todo o mundo visa padronizar a identificação de espécies utilizando o chamado DNA Barcoding — método em que uma espécie de código de barras é criado a partir de um pequeno trecho do DNA, extraído de uma região padronizada do gene.

A ideia de um dos proponentes dessa técnica, o cientista Paul Hebert, era tornar o processo de identificação das espécies mais rápido e formar um banco de dados de toda a biodiversidade mundial, disponível para consulta por qualquer pessoa. “O uso de sequências de DNA na taxonomia não é novo, mas a ideia do barcoding é o sequenciamento de um mesmo trecho, pois até então cada grupo utilizava uma região diferente do genoma, o que tornava difícil fazer comparações”, conta Mariana Cabral de Oliveira, professora do Departamento de Botânica do Instituto de Biociências (IB) da USP e uma das pesquisadoras participantes do International Barcode of Life (iBOL).

O consórcio internacional já é uma realidade e mobiliza pesquisadores em diversos países — o banco de dados do projeto reúne, atualmente, quase três milhões de sequências. A submissão dessas sequências segue um padrão de qualidade e acompanha também outros dados, como descrições morfológicas, fotografias, e o museu ou herbário onde aquela amostra foi depositada. Mariana explica que toda sequência registrada no banco de dados precisa estar associada a uma amostra física. “Eventualmente, se alguém não concordar com a identificação feita, é possível, por exemplo, solicitar e exsicata e reanalisar o material”.

(Leia mais sobre exsicatas e os herbários da USP em Herbários da USP revelam riqueza da biodiversidade vegetal)

Rede brasileira
A partir da iniciativa internacional, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) decidiu criar, em 2010, um projeto para organizar a rede em âmbito nacional. Onze grupos compõem o Brazilian Barcode of Life (BrBOL) e a bióloga Mariana Cabral de Oliveira coordena um destes grupos, voltado para a identificação molecular de organismos marinhos. Essa subrede inclui desde os vários tipos de algas, como também invertebrados, caracterizando um espectro bastante heterogêneo. A vantagem de uma rede nacional é, além de estabelecer a integração entre os estudiosos de todo o Brasil, padronizando os métodos utilizados, a possibilidade de gerar um espelho do banco de dados, ou seja, ter uma cópia dos dados que são enviados ao banco de dados geral.

Peixes estão entre os grupos mais completos em número de espécies cadastradas no banco do iBOL *

 

As propostas dos onze grupos que participaram do edital proposto pelo CNPq tiveram sua vigência encerrada em dezembro de 2013, no entanto os participantes aguardam a prorrogação do prazo — segundo Mariana, o fato de a biodiversidade brasileira ser extremamente grande torna mais trabalhoso sequenciar as espécies. Somente no caso das algas vermelhas, um dos principais objetos de pesquisa da professora, são cerca de 400 espécies identificadas — número que só foi possível alcançar em vários anos de estudo. Além disso, alguns grupos de trabalho, que estão distribuídos em institutos de pesquisa ao longo de toda a costa brasileira, encontram dificuldades, tanto metodológicas como de infraestrutura — como acesso a equipamentos e laboratórios adequados —para dar continuidade ao sequenciamento.

Segundo a professora, a técnica do DNA Barcoding proposta em 2003 foi rapidamente adotada por pesquisadores das diversas áreas que envolvem a biodiversidade. Apesar do objetivo inicial de usar uma mesma região padronizada para todos os grupos de organismos, logo ficou claro que não era viável adotar apenas uma região do gene como referência para todas as espécies — em alguns casos, existem dificuldades práticas para o sequenciamento da região proposta ou, como acontece com as plantas verdes, ele não tem variabilidade suficiente para diferenciá-las. Assim, estão sendo adotados outros marcadores que possam satisfazer as necessidades de cada grupo.

Além da identificação
“A aplicação do DNA Barcoding é muito mais ampla do que simplesmente descrever a biodiversidade”, conta a professora Mariana. Uma das principais aplicações do uso do banco de dados com as sequências genéticas é facilitar a identificação de novas espécies: caso um estudioso se encontre diante de uma espécie que não sabe identificar, ele poderá extrair seu DNA com a técnica e compará-lo, no banco de dados, com outras sequências. Saberá, assim, se essa espécie já foi identificada por outro pesquisador e, caso não encontre a sequência correspondente, poderá investigar se a espécie apenas não foi registrada ou se configura uma nova espécie.

No IB, outra pesquisadora também participa do consórcio, atuando no grupo que estuda, entre outros animais, as aves. Cristina Yumi Miyaki, do Departamento de Genética e Biologia Evolutiva, realizou um estudo que utiliza os barcodes para ajudar na investigação do tráfico ilegal de psitacídeos — família de aves que inclui araras, papagaios e periquitos. Quando uma pessoa é flagrada portanto ovos, não é possível dizer apenas a partir da morfologia externa se eles pertencem a espécies ameaçadas de extinção, então se recorre a análise pelo DNA Barcoding, que pode, rapidamente, confirmar ou descartar as suspeitas.

Outra aplicação importante da técnica é a possibilidade de avaliar se o alimento que está sendo vendido corresponde ao informado. No caso dos peixes, por exemplo, após o corte em postas ou processamento, é difícil identificar de qual peixe se trata. O mesmo acontece com as madeiras – utilizando o barcoding, pode-se verificar se determinada madeira pertence a um tipo cuja extração é vedada.

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