As jovens usuárias do sistema público realizam menos consultas pré-natal, têm baixa escolaridade, maior número de gestações e parto normal com freqüência. De outro lado, as que foram atendidas no serviço privado apresentaram maior escolaridade, mais acesso às consultas pré-natais e um número alarmante de cesarianas, identificado na pesquisa como um problema de saúde pública.
A pesquisa Gravidez na adolescência: estudo comparativo das usuárias das maternidades públicas e privadas, publicada na Revista Latino-Americana de Enfermagem, teve como objetivo identificar o perfil das mães adolescentes atendidas nos dois sistemas de saúde, diagnosticando desigualdades sociais no acesso aos serviços, na educação formal e na perpetuação do ciclo pobreza-gravidez precoce.
De acordo com Ana Cyntia Paulin Baraldi, da Escola de Enfermagem da USP de Ribeirão Preto, coordenadora do grupo que fez o estudo, o diagnóstico é fundamental para a implantação de políticas públicas multidimensionais que atendam às necessidades dessas adolescentes.
A pesquisa foi realizada com base no número de nascidos vivos, em três maternidades públicas e três privadas, no município de Ribeirão Preto. Na amostra, foram selecionadas 5.286 adolescentes entre 10 e 19 anos. Analisou-se ainda o tipo de parto, grau de instrução, o número de consultas pré-natal e o de partos anteriores, no período de 2000 a 2002.
Os dados registram um número de mães adolescentes oito vezes maior nas maternidades do sistema público. Foram 618 nascimentos (11,7%) em hospitais privados contra 4.668 (88,3%) em hospitais públicos. Dessa amostra, destaca-se um percentual três vezes mais alto de nascimentos entre mães adolescentes usuárias do SUS, entre 10 e 14 anos de idade.
Na relação idade materna e grau de instrução, a pesquisa detectou outra desigualdade. Entre as usuárias do serviço privado entre 15 e 19 anos a escolaridade esperada, de oito ou mais anos de estudo, foi correspondente à idade em 70,33% dos casos. Já entre as adolescentes atendidas pelo SUS, apenas 44,55% apresentaram escolaridade compatível com a faixa etária.
O abandono escolar relacionado à gravidez precoce compromete, na maioria dos casos, as perspectivas de futuro para as jovens mães e seus bebês. O estudo revela que a adolescente, no meio de seu processo de capacitação, muitas vezes sofre pressões sociais e psicológicas de colegas, pais e diretores de escolas, o que resulta em evasão, desqualificação e dificuldade de inserção no mercado de trabalho.
O que se pode constatar é a perpetuação do ciclo de miséria, uma vez que a pobreza e a exclusão podem ser vistas tanto como causa como conseqüência da gravidez precoce, disse Ana Cyntia.
O perfil das adolescentes contrasta também em relação ao número de consultas pré-natal. O Ministério da Saúde recomenda um mínimo de seis exames durante a gestação, meta essencial para a redução dos índices de mortalidade materna e perinatal verificados no Brasil.
No serviço público, 54,46% de mães adolescentes, entre 15 e 19 anos, atingiram essa meta, contra 89,34% das atendidas nas maternidades privadas. Entre as adolescentes de 10 a 14 anos, o percentual foi de 48,93%, no público, e de 87,5%, respectivamente.
Excesso de cesarianas
O enorme número de partos cesarianos entre as jovens mães atendidas em maternidades privadas chamou a atenção dos pesquisadores. O índice de partos desta natureza tolerados pelo Ministério da Saúde é de 15% a 20%, e a alta taxa de cesarianas no Brasil é hoje um problema de saúde pública, pois gera mais riscos de mortalidade de mães e bebês.
Foram registrados 83,12% de cesáreas contra 16,68% de partos normais em adolescentes com nível socioeconômico privilegiado, atendidas pelo setor privado por meio de planos de saúde. Inversamente proporcional foram os números em maternidades públicas, onde 73,10% de partos normais prevaleceram sobre 26,87% de cesarianas.
Para Ana, essa desproporção está relacionada à inadequada assistência médica. Antes, havia a crença de que o corpo da adolescente não estava biologicamente preparado para o parto normal, crença que já caiu por terra. O que ocorre é que na maioria das vezes a cesariana é decidida dentro dos hospitais privados, que nem sempre prestam cobertura obstetrícia pautada nos princípios de humanização e incentivo ao parto fisiológico, como prega o Ministério da Saúde.
Tais princípios de humanização no atendimento a gestantes devem ser cumpridos tanto no serviço público como no privado. Um dos papéis do SUS [Sistema Único de Saúde] é regular e fiscalizar o cumprimento desses princípios nos hospitais particulares, inclusive investigando, se necessário, disse a pesquisadora.