Mesmo estando disponíveis no Brasil, recursos para prevenção e tratamento da doença não alcançam a população com maior vulnerabilidade social
Estudo realizado pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) da USP em parceria com o Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT) de Lisboa, Portugal, aponta que a desigualdade social tem forte impacto na mortalidade por tuberculose.
De acordo com dados do Ministério da Saúde, o Brasil ocupa a décima oitava posição no ranking entre os 22 países que concentram 80% dos casos de tuberculose, com 73 mil novos diagnósticos e 4.477 mortes por ano. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), esses números são injustificáveis, pois o sistema de saúde do Brasil possui todos os recursos necessários para o diagnóstico e tratamento da doença.
Para entender esse descompasso, o professor Ricardo Alexandre Arcêncio, da EERP, e a professora Inês Fronteira, do IHMT, iniciaram estudo para saber quais os motivos que levam a tuberculose a fazer tantas vítimas. Os resultados mostraram que a causa não é única. O fator mais relevante é a falta de acesso aos recursos da área da saúde, que, mesmo existentes, não alcançam a população com maior vulnerabilidade social, consequentemente, a mais atingida pela doença.
Multidroga-resistência
A multidroga-resistência acontece quando o bacilo (bactéria) se torna resistente aos dois principais medicamentos para tratamento da doença. A ciência já comprovou que, atualmente, isso acontece em várias doenças, inclusive a tuberculose, e se dá por conta do uso indiscriminado de antibióticos. Outro fator que leva à multidroga-resistência da tuberculose é a falta de investimentos da indústria farmacêutica, como relata Arcêncio. “Como é uma doença da pobreza, a indústria farmacêutica não está interessada em desenvolver novos fármacos para a tuberculose.
“A medicina está utilizando os mesmos antibióticos de 1960.”
Outro dado apontado pelo estudo dos pesquisadores lusófonos é a relação direta da tuberculose com o vírus do HIV. Dos 22 países que mais têm concentração de pessoas com tuberculose, quase todos também têm um quadro preocupante de HIV. “O HIV é fator de risco para o desenvolvimento da tuberculose, que é uma doença oportunista”, explica o professor.
Compromisso de diminuição de 95% dos casos
Recentemente, o Brasil firmou compromisso com a OMS de reduzir, até 2035, 95% dos óbitos por tuberculose por meio da estratégia Fim da TB. No entanto, para os pesquisadores, isso é pouco provável de se concretizar. Segundo Arcêncio, o estudo evidenciou a dificuldade dos municípios de conseguir alcançar essa meta, uma vez que a redução do número de óbitos caminha a passos mais lentos do que prevê a OMS. “Se continuarmos nesse ritmo, essa meta será atingida apenas em 2200”, alerta o professor. Para a professora Inês, a intervenção deve ser também social e não apenas no tratamento.
“Melhorar a qualidade de vida das pessoas e os quadros de desvantagem social e pobreza é o ponto principal.”
A pesquisadora é enfática ao afirmar que essas melhorias não afetariam somente a tuberculose, mas outras doenças negligenciadas, como o HIV, por exemplo. “Se melhorar a qualidade de vida, como o saneamento básico e as condições de moradia, já diminuiria entre 20% e 30% a taxa de mortalidade, como mostra o projeto”, afirma o professor Arcêncio.
PALOPs
Orientadora de trabalhos em países africanos de língua portuguesa (PALOPs) em parceria com o IHMT, a professora se diz preocupada com o cenário que encontra nesses lugares. Segundo a pesquisadora, o coeficiente de incidência da tuberculose em Angola e Moçambique, por exemplo, chega a 400 casos por 100 mil habitantes, enquanto no Brasil a média é de 40.
A pesquisadora ainda participou de intervenções na África Austral, Angola e Moçambique, para incentivar essas regiões a adotarem os padrões mínimos de abordagem da tuberculose e outras doenças. Informações sobre identificação dos casos, encaminhamento e diagnóstico são os principais pontos abordados nos trabalhos realizados e orientados por Inês nesses países.
Com o objetivo de contribuir com a formação dos profissionais desses países, Inês lembra sobre a importância que pesquisas na área da saúde têm para aquelas populações. “Temos uma aluna que vai apresentar a situação epidemiológica da tuberculose na Luanda, capital da Angola. É um estudo basicamente simples, em que ela analisou quantos casos existem, de onde as pessoas vêm, quais são as características. Pode parecer um estudo muito básico, mas nesses países, onde não há essas informações, esse estudo tem uma relevância muito grande.”
Inês Fronteira faz parte do IHMT, do Centro Colaborador da OMS para a Política de Pessoal de Saúde e Planejamento e da Associação de Gestão de Saúde da Europa. Esse estudo é realizado por meio do Projeto Regular da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) em desenvolvimento atualmente em parceria com o Instituto de Higiene e Medicina Tropical (Universidade Nova de Lisboa-Portugal) e Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) da USP, denominado A mortalidade por tuberculose e sua relação com iniquidades sociais: um estudo multicêntrico.
Stella Arengheri, de Ribeirão Preto
Mais informações: email ricardo@eerp.usp.br ou ifronteira@ihmt.unl.pt