Uma nova pesquisa revelou que a análise dos níveis de uma proteína conhecida como angiotensinogênio, produzida nos rins e detectada na urina, pode ser uma forma de diagnosticar mais precocemente a nefropatia diabética – uma das complicações mais graves do diabetes.
Resultante de alterações nos vasos sanguíneos renais, a doença faz com que o órgão perca a capacidade de filtrar adequadamente o sangue e deixe escapar na urina proteínas importantes para o organismo. Caso não seja tratada, pode progredir até se converter em insuficiência renal crônica.
Atualmente, o diagnóstico é feito pela análise de albumina na urina. No entanto, quando essa proteína é detectada nos testes, é sinal de que já existe lesão no tecido renal.
“Achamos que a análise do angiotensinogênio renal na urina poderia ajudar a identificar o problema em um estágio mais inicial, quando há tempo de o dano ser revertido”, disse Ovidiu Constantin Baltatu, professor na Universidade Camilo Castelo Branco (Unicastelo) e coordenador da pesquisa apoiada pela FAPESP.
Os ensaios pré-clínicos realizados com ratos contaram com a parceria de pesquisadores do Centro de Medicina Molecular Max-Delbrück, na Alemanha, e do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, o grupo busca novos parceiros para a realização dos ensaios clínicos necessários para a caracterização e validação do novo biomarcador.
De acordo com Baltatu, o objetivo inicial do projeto era investigar se o diabetes afetava diferentemente homens e mulheres. “Os estudos de gênero são algo recente, surgiram nos últimos 10 ou 15 anos e têm como foco encontrar tratamentos personalizados”, comentou o pesquisador nascido na Romênia.
A linha de pesquisa começou quando Baltatu morava em Berlim, na Alemanha, e investigava no centro Max-Delbrück as diferenças de gênero relacionadas à cardiopatia e à nefropatia hipertensivas.
“Demonstramos que os hormônios masculinos ou andrógenos estimulam a atividade do sistema renina-angiotensina (conjunto de peptídeos, enzimas e receptores envolvidos no controle da pressão arterial), contribuindo para o desenvolvimento da hipertensão e, consequentemente, da cardiopatia e da nefropatia hipertensiva”, contou Baltatu.
Os resultados – divulgados em artigos publicados na revista Hypertension e no Journal of The American Society of Nephrology – suscitaram a hipótese de que o mesmo poderia ocorrer no caso da nefropatia causada pelo diabetes.
Para confirmar a suspeita, em experimentos realizados no Brasil, os cientistas induziram em ratos um quadro similar ao do diabetes tipo 1 (insulino-dependente) por meio de uma injeção do antibiótico estreptozotocina.
A estreptozotocina causa a destruição das células do pâncreas responsáveis pela produção de insulina e, poucos dias depois, os animais apresentam aumento sustentado nos níveis de glicose no sangue. Doze semanas após a injeção, já era possível detectar a presença de albumina na urina dos roedores.
Os animais foram divididos em seis grupos: machos controle (que não receberam injeção para induzir o diabetes); machos diabéticos; machos diabéticos tratados com flutamida (droga antiandrogênica); fêmeas controle; fêmeas diabéticas e fêmeas diabéticas tratadas com flutamida.
“Uma das primeiras diferenças que observamos foi que os níveis de albuminúria eram muito maiores nos machos do que nas fêmeas, sinal de que a doença estava progredindo mais rapidamente nos machos”, disse Baltatu.
Diferentemente do que havia sido observado na pesquisa sobre nefropatia hipertensiva, porém, a flutamida foi capaz de proteger apenas os machos contra a progressão da doença, mas não as fêmeas. “Isso mostra que são mecanismos diferentes por trás do desenvolvimento da nefropatia hipertensiva e da nefropatia diabética”, disse.
Expressão gênica
O passo seguinte foi analisar a pressão arterial e os níveis circulantes das enzimas do sistema renina-angiotensina e de sua proteína precursora: o angiotensinogênio.
“O angiotensinogênio é convertido em angiotensina-I por meio da ação da enzima renina. A angiotensina-I sofre então a ação da enzima conversora de angiotensina e vira angiotensina-II – uma das substâncias vasoconstritoras mais potentes já descritas”, explicou Baltatu.
Na pesquisa sobre hipertensão, o grupo havia observado que os andrógenos elevavam os níveis de renina circulantes. No caso do diabetes, porém, é comum haver um nível baixo de renina plasmática. E isso foi confirmado nos grupos de ratos diabéticos.
“Mas, além desse sistema renina-angiotensina circulante ou endócrino, existem também sistemas locais em cada órgão. Extraímos então o tecido renal dos ratos para fazer uma análise de expressão gênica e ver como estava a produção local das enzimas. Observamos que, nos machos, a síntese de angiotensinogênio renal estava significativamente aumentada”, explicou Baltatu.
Ao comparar os níveis de angiotensinogênio renal dos ratos com os níveis de albuminúria, os pesquisadores verificaram a existência de uma forte correlação.
“Nossa hipótese é que a maior produção de angiotensinogênio no rim leva a um nível maior de angiotensina-II local e isso induz a nefropatia e explica o aumento da albuminúria. Acreditamos que o angiotensinogênio renal, portanto, pode revelar a nefropatia diabética antes que os níveis altos de albumina apareçam nos exames”, disse o pesquisador da Unicastelo.
Embora a correlação entre os níveis de angiotensinogênio e de albumina só tenha sido verificada nos ratos machos, Baltatu estima que o biomarcador possa ser eficaz para diagnosticar tanto homens como mulheres.
“Possivelmente, a correlação não tenha sido observada em fêmeas porque elas tinham níveis baixos de albuminúria. É necessário realizar um novo estudo – que já pode ser um ensaio clínico – para analisar mulheres com uma escala maior de albuminúria (um estágio mais avançado da patologia). O objetivo será esclarecer se para diagnosticar a nefropatia os valores de corte do angiotensinogênio seriam os mesmos para homens e mulheres”, disse Baltatu.