Criança ribeirinha carece de nutrientes, apesar de peso e altura normal

Pesquisadores da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da USP constataram deficiência de zinco e selênio, nutrientes essenciais para o organismo, entre crianças de comunidades ribeirinhas de Porto Velho (Rondônia) apesar do peso e estatura serem compatíveis com os padrões internacionais. A carência de selênio verificada em uma das localidades estudadas pode indicar contaminação por mercúrio. Doenças e condições alimentares podem provocar a deficiência de zinco.

A nutricionista Ariana Vieira Rocha, que pesquisa sobre o selênio, analisou 42 crianças entre 3 e 9 anos das comunidades de Demarcação e Gleba do Rio Preto, situadas em afluentes do Rio Madeira (Rio Machado e Rio Preto), que atravessa a cidade de Porto Velho. Além das medições de peso e estatura, foram analisadas amostras de sangue e investigados hábitos alimentares. “Apesar das duas localidades estarem separadas por cerca de 40 quilômetros, em Demarcação foram encontrados baixos níveis de selênio, o que não ocorreu na Gleba do Rio Preto”, conta.

De acordo com Ariana, o resultado encontrado na Gleba do Rio Preto é surpreendente. “A concentração de selênio no solo pode influenciar a presença do mineral no organismo, pois acredita-se que os solos da região sejam abundantes no mineral”, explica. “O selênio também está presente também nos peixes e possivelmente na farinha de mandioca, que são a base da alimentação local”. A nutricionista acredita que a deficiência possa ter relação com a presença de mercúrio, pois a região possui áreas de garimpo e solos antigos, que contribuem para a retenção do metal.

“O selênio tem a capacidade de retardar o aparecimento dos sintomas da intoxicação por mercúrio, possivelmente pela formação de um complexo inerte”, diz. O nível de mercúrio será analisado a partir de amostras dos cabelos das crianças. “É possível que em Demarcação a quantidade do metal seja tão elevada a ponto do selênio não conseguir neutralizar seus efeitos”. A pesquisa também verificou que os moradores não consomem castanha-do-brasil, uma das principais fontes naturais de selênio, comum em Rondônia. O mineral possui um efeito antioxidante e potencializa o sistema imunológico do organismo.

Zinco
As duas comunidades ribeirinhas também foram pesquisadas pelo nutricionista Rafael Bueno, para sua dissertação de mestrado na FCF. “Em relação ao peso e estatura, as 40 crianças estudadas neste trabalho apresentaram níveis normais para sua idade, de acordo com padrões internacionais”, relata. “Porém, em 90% delas, constatou-se deficiência de zinco”.

A principal fonte de zinco na alimentação local são os peixes, mas o nutricionista aponta que a oferta do alimento está sujeita à sazonalidade da pesca. “Nos meses de chuva, durante o chamado inverno amazônico, há poucos peixes nos rios, por isso a farinha de mandioca se torna a principal fonte de alimentação das crianças”, conta. “A farinha e algumas frutas consumidas na região possuem fitatos, componentes que diminuem a absorção do zinco”. O elevado nível de parasitoses intestinais entre as crianças ribeirinhas também contribui para a carência do nutriente.

Segundo os nutricionistas, o fato de as crianças terem peso e estatura normal não pode encobrir o problema da falta de nutrientes. “É um dado significativo, levando-se em conta que as regiões ribeirinhas não possuem saneamento básico, a água potável é extraída diretamente dos rios, são utilizadas fossas negras como destino dos dejetos e a incidência de malária é elevada”, aponta Ariana, ressaltando a ausência de um padrão brasileiro de avaliação em relação aos índices de peso/estatura, peso/idade e estatura/idade, o que pode mascarar o déficit nutricional em algumas regiões do País.

As pesquisas sobre o estado nutricional das crianças em Rondônia foram realizadas no Laboratório de Minerais do Departamento de Alimentos e Nutrição Experimental da FCF, com orientação da professora Silvia Cozzolino. O trabalho de campo nos afluentes do Rio Madeira foi realizado com o auxílio de um barco-hospital cedido pela prefeitura de Porto Velho e teve suporte da equipe do Instituto de Ciências Biomédicas da USP em Monte Negro (Rondônia).

Mais informações: (11) 7677-9495, e-mail avr@usp.br , com Ariana Vieira Rocha; (11) 9410-5074, e-mail bueno@usp.br , com Rafael Bueno

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