Crack: estudo aponta perfil de consumo no país

Dados disponíveis sobre o consumo de crack no Brasil apontam um crescimento considerável disseminado em todo o país e especialmente nos grandes centros urbanos, onde tem maior visibilidade. O Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Álcool e Drogas, realizado em 2005 pelo Centro Brasileiro de Informação sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid), constatou, no país, um aumento de 75%, em relação ao ano de 2001, no número de pessoas que declararam já ter usado crack pelo menos uma vez. Na região Sudeste, o aumento foi de 125%. Com o objetivo de analisar o atual problema do consumo da droga, o psicólogo Francisco de Abreu Franco Netto apresentou, na ENSP, a dissertação de mestrado em Saúde Pública O problema do crack: emergência, respostas e invenções sobre o uso do crack no Brasil. O autor defende o fortalecimento e a multiplicação dos dispositivos de cuidado no âmbito do SUS, com o intuito de minimizar danos e riscos do uso prejudicial da droga.

Orientado pelo pesquisador da ENSP Gabriel Schütz, o estudo se propôs a historicizar as diferentes formas de uso da cocaína no Brasil, até chegar à cocaína fumada, ou seja, o crack. A droga surgiu no início da década de 1980 nos Estados Unidos. No Brasil, os primeiros relatos sobre uso são de 1989 em bairros da zona leste de São Paulo. Na década de 1990, o consumo em São Paulo, tanto na cidade como no estado, teve um aumento significativo. Levantamentos feitos na década de 2000 apontaram um aumento na percentagem do consumo de crack no Brasil, chegando a 0,7% da população brasileira, em 2005.

“Buscamos explorar, na pesquisa, o perfil dos usuários e os contextos e efeitos do consumo de crack. Constatamos que fatores como a ilegalidade da substância, a marginalização e estigmatização de uma parcela dos usuários e sua vulnerabilidade social influenciam profundamente sua saúde. Analisamos, ainda, as práticas de segregação de usuários de crack atualmente em vigor, que se contrapõem às práticas de cuidado, como as estratégias de redução de danos”, explicou Francisco.

Com o aumento do uso de crack nos últimos anos, muito vem sendo divulgado sobre a droga e seus usuários. Segundo o autor da pesquisa, a midiatização do aumento do número de usuários de crack, associado aos frequentes padrões abusivos de consumo entre os usuários, tem gerado um grande temor social com relação aos seus efeitos prejudiciais. Na representação social, o abuso de crack aparece, frequentemente de forma equivocada, vinculado à degradação física e moral das pessoas, sendo percebido como uma droga que conduz mais rapidamente à dependência e ocasiona a morte precoce de seus usuários.

O crack e seus estigmas

A pesquisa pretendeu problematizar a associação imediata presente no senso comum entre o crime e o crack, levando em consideração os diferentes contextos em que a substância é apropriada, a diversidade das formas em que é consumida e comercializada e os efeitos que produz. De acordo com o autor, devemos entender os efeitos como fruto da interação entre a substância consumida, a pessoa que consome e o ambiente onde é consumida. “A inserção social do usuário pode apresentar grandes variações, quando considerados os diferentes contextos de consumo, subjetividades e segmentos sociais a que pertencem”, afirmou

Para o autor, a política proibicionista adotada pelo Brasil, diferente da verificada em muitos países, causa aumento na disponibilidade de drogas, em sua potência, no seu uso e abuso, na dependência e em doenças. “O crack é uma das substâncias inventadas pelo proibicionismo. Ninguém hoje pode alimentar a ilusão de que o tráfico possa ser vencido enquanto a proibição continuar fazendo das drogas ilícitas uma indústria de bilhões de dólares, com grandes interesses em manter a proibição. A violência desenfreada da guerra contra o tráfico, da qual as maiores vítimas são sempre os inocentes, é, portanto, um trágico caminho que precisa ser mudado”, alertou.

Segundo Francisco, quanto mais prejudicial for o efeito do uso abusivo de uma substância, mais urgente se torna sua retirada da ilegalidade. Ele afirma que aqueles que fazem uso prejudicial de drogas como o crack, por exemplo, são tão ou mais prejudicados pela sua proibição e pela violência que a acompanha. “Muitas experiências internacionais adotadas por alguns países no mundo poderiam ser implementadas no Brasil. O que defendemos hoje é o fortalecimento e a multiplicação dos dispositivos de cuidado no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), como os Centros de Atenção Psicossocial para Álcool e Drogas (CapsAD), a fim de minimizar os danos e riscos do uso prejudicial de crack.”

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