Covid: como proteger criança de até 5 anos, que ainda não pode tomar vacina

Pais e tutores de crianças com menos de cinco anos vivem um verdadeiro dilema neste momento da pandemia. De um lado, eles testemunham o fim de praticamente todas as restrições que marcaram os últimos dois anos, como o uso de máscaras e a prevenção de aglomerações em lugares fechados. Do outro, o Brasil ainda não dispõe de uma vacina contra a covid aprovada para uso em idades tão tenras — a Pfizer só pode ser aplicada a partir do quinto ano de vida, e a CoronaVac a partir do sexto.

Na prática, isso representa um risco duplo: essas crianças estão naturalmente mais expostas ao contágio e não têm acesso aos imunizantes, os únicos produtos capazes de deixar o sistema imune mais preparado para combater o coronavírus e suas consequências no organismo.

A solução, garantem os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, é combinar uma série de cuidados e estratégias, como manter a vacinação do resto da família atualizada, incentivar o uso de máscaras adequadas à infância em lugares fechados, discutir algumas mudanças nos horários da entrada e do recreio nas escolas, garantir a circulação de ar nas salas de aula e não levar a criança com sintomas de infecção respiratória (como gripe, covid ou resfriado) para locais de convívio com outras pessoas. Detalharemos cada uma dessas recomendações ao longo da reportagem.

E, por mais que a covid costume ser menos grave nos primeiros anos de vida, isso não significa que ela não provoque hospitalizações e mortes na infância. Até o fim de 2021, o Brasil contabilizou 1.449 óbitos de meninos e meninas de até 11 anos relacionados ao coronavírus. Os dados são de um relatório publicado pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde, o Conass.

Veja a seguir cinco passos para aumentar a proteção daqueles que ainda não têm acesso às vacinas.

1. Vacinar o resto da família

Os imunizantes contra a covid-19 estão disponíveis para crianças com mais de cinco anos, adolescentes, adultos e idosos.

Dos 5 aos 17 anos, são preconizadas duas doses. Entre os 18 e os 79, é necessário tomar um reforço (também chamado de terceira dose). Já para quem passou dos 80, o Ministério liberou recentemente a aplicação de uma quarta dose da vacina.

E estar com o esquema vacinal em dia traz uma proteção indireta aos pequenos: o fato de o entorno dessa criança estar mais resguardado já diminui o risco de que ela tenha contato com o coronavírus.

“Isso é o que chamamos de estratégia casulo: quando não há doses disponíveis para crianças, vacinamos todos os familiares e contatos próximos para que esses indivíduos não transmitam o vírus para elas”, explica a pediatra Heloisa Giamberardino, chefe do Serviço de Epidemiologia, Imunizações e Controle de Infecção do Hospital Pequeno Príncipe, no Paraná.

Essa prática já era comum bem antes da pandemia, como uma maneira de livrar os recém-nascidos da coqueluche, uma doença respiratória provocada pela bactéria Bordetella pertussis.

Os médicos recomendam que pais, mães, irmãos, avós e todo mundo que vai ter contato frequente com o bebê recebam a vacina que evita o contágio com esse micro-organismo, uma vez que as doses só começam a ser aplicadas a partir do segundo mês de vida.

Contra o coronavírus, essa estratégia não é 100% infalível, mas pode ajudar.

2. Usar máscaras adequadas

Engana-se quem pensa que crianças menores não se acostumam ou rejeitam completamente esse equipamento de proteção.

“Elas são capazes de entender a importância de usar máscaras. Cabe aos adultos orientá-las sobre como fazer isso da melhor maneira”, diz Otsuka.

O infectologista pediátrico destaca que existem modelos adequados para os mais jovens. “Temos à disposição máscaras específicas para crianças a partir de dois anos, que filtram bem, se encaixam melhor no rosto e vedam as entradas e saídas de ar”, aponta.

O ideal é que elas sejam usadas o tempo todo em lugares fechados em que há interação com outros indivíduos que não fazem parte do convívio diário, como os colegas de escola na sala de aula.

3. Organizar recreio, chegada e saída das escolas

Dentro do possível e da realidade de cada família, o ideal é evitar o transporte público na ida ou na volta das atividades escolares.

“Os transportes coletivos representam um risco a mais, já que a criança vai estar em contato com muita gente diferente num lugar fechado”, explica Otsuka.

“Se possível, deve-se dar preferência ao transporte individual ou com mais distanciamento e um menor número de pessoas [como as vans escolares]”, complementa o especialista.

Pais e tutores também podem tentar conversar com a direção das escolas para que seja adotado um escalonamento nos horários de início e término das aulas — assim, evita-se aglomerações e encontros entre as diferentes turmas na entrada ou na saída.

“O mesmo esquema de divisão de tempo pode ser adotado na hora do recreio, e as crianças podem ser orientadas a não compartilhar o lanche com os colegas”, acrescenta Giamberardino.

4. Arejar bem a sala de aula

O avanço da ciência nos últimos dois anos mostrou que partículas minúsculas de saliva que contém o coronavírus ficam suspensas no ar por algum tempo, período em que elas podem ser aspiradas pelo nariz e pela boca e iniciam um novo ciclo de infecção.

Esse tempo que o patógeno fica “flutuando” num ambiente depende, principalmente, da circulação do ar.

Em lugares abertos, essa troca de ar acontece constantemente, o que diminui bastante o risco de ter contato com o vírus.

Já nos locais fechados, essa substituição do ar é mais demorada, o que permite ao agente microscópico permanecer em suspensão no ambiente por mais tempo. Isso, por sua vez, aumenta a probabilidade de infecção.

Mas existem algumas maneiras de reduzir bem esse risco na sala de aula. “Primeiro, é preciso deixar portas e janelas sempre abertas, para aumentar a circulação do ar”, orienta Otsuka.

Se a sala tiver ventiladores, vale mantê-los ligados o tempo todo. Isso ajuda a dispersar aquelas pequenas gotículas de saliva em suspensão.

“Caso a escola conte com sistema de ar condicionado, é importante lembrar de trocar o filtro do equipamento dentro dos prazos estabelecidos pelo fabricante”, complementa o infectologista pediátrico.

A ventilação não só diminui o risco de ter covid, mas de todas as outras doenças infecciosas que acometem o sistema respiratório, como gripe e resfriado.

5. Não sair se apresentar sintomas

Caso a criança comece a sentir qualquer incômodo típico de covid, gripe ou resfriado (nariz escorrendo, tosse, febre, dores…), a recomendação é não levá-la à escola ou qualquer outra atividade externa.

Isso evita que os vírus sejam transmitidos para outras pessoas e criem novas cadeias de contágio na comunidade.

“Essa é uma recomendação muito importante que, espero, seja adotada de forma permanente por todos os pais e responsáveis mesmo quando a pandemia acabar”, pontua Otsuka.

É claro que manter o filho em casa demanda uma mudança de rotina e exige uma compreensão de todo o sistema de ensino e do local de trabalho dos pais.

Os especialistas indicam discutir com os representantes da escola alguns cenários em que a criança precisa ficar afastada. Assim, dá pra pensar, por exemplo, em algumas atividades que a criança com sintomas faça em casa nos dias em que não puder ir às aulas.

Vem vacina por aí?

Existe a possibilidade de que a CoronaVac, imunizante desenvolvido pela farmacêutica Sinovac e pelo Instituto Butantan, de São Paulo, fique disponível para crianças brasileiras de 3 a 5 anos nas próximas semanas.

O Butantan fez um pedido para a liberação da vacina na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o processo de análise está em andamento.

No dia 22 de março, a Anvisa realizou uma reunião com representantes de diversas instituições, como a Sociedade Brasileira de Pediatria e a Associação Brasileira de Saúde Coletiva, para discutir os dados apresentados.

Não há uma perspectiva de quando deve sair uma resposta para o pedido, mas a agência diz que “os técnicos da Anvisa continuam trabalhando no processo”.

A CoronaVac já é utilizada amplamente na imunização de crianças menores em países como Chile e China.

No exterior, há discussões e estudos que também avaliam a vacina da Pfizer e a da Moderna nos pequenos, mas sem nenhuma definição sobre o uso desses produtos em larga escala nesta faixa etária.

A médica Isabella Ballalai, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), destaca que a análise criteriosa da Anvisa é essencial para “dar segurança às famílias de que há critérios e um trabalho sério para a aprovação das vacinas contra a covid-19”.

“Isso, inclusive, derruba o argumento falacioso de que os imunizantes seriam experimentais e não têm segurança comprovada”, diz.

Ballalai também chama a atenção para o impacto que a covid-19 teve no público infantil. “Não estamos falando de uma doença leve ou com risco negligenciável nas crianças”, alerta.

“E a vacinação é essencial para diminuir os quadros graves, as hospitalizações e as mortes por covid em qualquer faixa etária”, conclui a especialista.