Em artigo publicado (25/5) na revista científica Nature Medicine, pesquisadores da Rede Gêmonica Fiocruz e de instituições parceiras apontaram as causas do crescimento do número de casos de Covid-19 no Amazonas e das sucessivas substituições de linhagens do Sars-CoV-2. O estudo indicou que esses fatores foram impulsionados por uma combinação de diminuições das medidas de distanciamento social e pelo surgimento de uma forma mais transmissível do vírus, a variante P.1, identificada em meados de novembro de 2020. Essa variante causou um aumento exponencial da doença, o que estabeleceu a segunda onda da epidemia no estado.
“Temos um histórico das viroses respiratórias com um calendário diferente no Amazonas, normalmente antes de outros estados. Tivemos o surgimento de uma variante mais infecciosa em um período onde havia menor distanciamento social. A P.1 foi a consequência da circulação do vírus e depois uma das causas do colapso no Amazonas”, explica Felipe Naveca, pesquisador e vice-diretor de Pesquisa e Inovação do Instituto Leônidas & Maria Deane (ILMD/Fiocruz Amazônia).
O Amazonas experimentou duas ondas de crescimento da doença, a primeira no início e a segunda no final de 2020. Para o estudo de epidemiologia genômica publicado na Nature, foram geradas 250 sequências de genoma completo de Sars-CoV-2, de alta qualidade, de indivíduos de 25 municípios, no período entre 16 de março de 2020 e 13 de janeiro de 2021.
O resultado revelou que a primeira fase de aumento da Covid-19 (março a maio) foi impulsionada principalmente pela disseminação da linhagem B.1.195, depois substituída pela linhagem B.1.1.28 entre maio e junho de 2020. De junho a novembro, o quadro permaneceu estável, com pequenas variações. Já a segunda fase, surgiu em meados de dezembro de 2020, com a emergência da variante P.1 e, consequentemente, uma explosão de casos da doença.
Para Felipe Naveca, o fato da P.1 ter acometido indivíduos jovens do mesmo modo que a pessoas de idade mais elevada pode ter relação com uma maior exposição desses, seja por questões de trabalho, ou por redução do distanciamento social. “Se expuseram tanto pela volta ao trabalho, quanto por motivos sociais. Aparentemente, isso foi péssimo em um cenário de circulação de uma variante ainda mais infecciosa”, comentou.
Segundo os pesquisadores, a variante de preocupação, P.1, abriga 21 mutações definidoras de linhagem, incluindo dez na proteína Spike (L18F, T20N, P26S, D138Y, R190S, K417T, E484K, N501Y, H655Y e T1027I). Ela foi anunciada pela primeira vez em 10 de janeiro deste ano, a partir da pesquisa em quatro viajantes que voltavam para o Japão, depois de passarem pelo Amazonas. Logo, a variante foi reconhecida como uma linhagem emergente em Manaus.
O trabalho dos pesquisadores avaliou ainda mais de 1.232 amostras positivas para Sars-CoV-2 disponíveis no Laboratório Central do Estado do Amazonas (Lacen-AM) para estimar uma trajetória temporal do surgimento de P.1, por meio de ensaio PCR em tempo real. O resultado revelou que nenhuma das amostras positivas para Sars-CoV-2 genotipadas por RT-PCR em tempo real antes de 16 de dezembro foi positiva para uma deleção na NSP6 (característica das VOCs), o que indica uma prevalência muito baixa da P.1 entre o final de novembro e meados de dezembro de 2020 no Amazonas. Mas, o resultado foi outro nas análises da segunda metade de dezembro de 2020 a janeiro de 2021.
“O distanciamento social continua sendo a melhor intervenção para diminuir a transmissão do vírus e, consequentemente, a evolução do vírus, enquanto a vacinação não avança no ritmo desejável”, adverte Naveca.
O artigo Covid-19 in Amazonas, Brazil, was driven by the persistence of endemic lineages and P.1 emergence é resultado de estudos de pesquisadores das unidades regionais da Fiocruz no Amazonas, Pernambuco e Bahia, e do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), no Rio de Janeiro; da Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas (FVS-AM), do Laboratório Central de Saúde Pública do Amazonas (Lacen-AM), do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), do Hospital Adventista de Manaus, da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). São eles: Felipe Gomes Naveca, Valdinete Nascimento, Victor Costa de Souza, André de Lima Corado, Fernanda Nascimento, George Silva, Ágatha Costa, Débora Duarte, Karina Pessoa, Matilde Mejía, Maria Júlia Brandão, Michele Jesus, Luciana Gonçalves, Cristiano Fernandes da Costa, Vanderson Sampaio, Daniel Barros, Marineide Silva, Tirza Mattos, Gemilson Pontes, Ligia Abdalla, João Hugo Santos, Ighor Arantes, Filipe Zimmer Dezordi, Marilda Mendonça Siqueira, Gabriel Luz Wallau, Paola Cristina Resende, Edson Delatorre, Tiago Gräf e Gonzalo Bello.
Felipe Naveca lembra que “esse trabalho foi fruto da ciência brasileira, feito 100% no Brasil”. Teve apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq); da Fiocruz, por meio do Programa Inova Fiocruz; e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam), por meio do Programa PCTI-EmergeSaude e da Rede Genômica de Vigilância em Saúde (Regesam).
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