Em março de 2021, a influenciadora americana Mikayla Nogueira testou para seus milhões de seguidores no TikTok uma combinação de soro e toner contendo um coquetel de ingredientes da moda. O produto prometia fechar os poros, hidratar a pele e “revelar um brilho refrescante” instantaneamente.
O vídeo tem um minuto de duração. Nogueira aplica os produtos ao seu rosto sem maquiagem e anuncia em seguida: “Esta foi a melhor aplicação de base que já tive na minha vida!” A postagem rapidamente viralizou.
Este exemplo ilustra um movimento que vem ganhando força nos últimos tempos na indústria dos cosméticos: a beleza gerada pelos ingredientes. Os consumidores procuram ingredientes específicos para combater seus problemas de pele.
O toner testado por Nogueira, por exemplo, contém os esfoliantes químicos póli-hidroxiácidos e beta-hidroxiácidos, enquanto o soro inclui vitamina B3 ou niacinamida, que supostamente dá brilho à pele opaca.
A vitamina A e o retinol são indicados para o combate ao envelhecimento; a vitamina C, para dar brilho e proteger a pele contra lesões ambientais; o ácido hialurônico hidrata e reduz as linhas e rugas; a vitamina E cura e suaviza – e a lista não termina por aqui.
As buscas por ingredientes específicos na loja de luxo online britânica Net-a-Porter aumentaram em cerca de 700% entre 2020 e 2022. E a pergunta “o que faz o soro de retinol?” foi uma das questões de cuidados com a pele mais pesquisadas no Google em 2023, no Reino Unido.
Nos Estados Unidos, uma pesquisa de 2022 revelou que 61% e 48% dos compradores de produtos de beleza millennials e da geração X, respectivamente, procuram ingredientes específicos ao comprar produtos de tratamento da pele.
Mas será que a pele consegue absorver esses ingredientes e extrair seus supostos benefícios? Ou tudo isso é um golpe de marketing para deixar nossos bolsos vazios?
E será que essas substâncias realmente precisam ser absorvidas para funcionar?
Os cientistas estão adquirindo cada vez mais conhecimento sobre o que pode e o que não pode atravessar a barreira da pele, com implicações que não se limitam ao setor cosmético. Está surgindo uma nova percepção das melhores formas de administrar medicamentos, desde analgésicos até vitaminas.
A pele é o maior órgão do corpo humano. Ela tem até dois metros quadrados de superfície e chega a pesar 3,6 kg em pessoas adultas.
A pele compreende três camadas distintas, mas as companhias de cosméticos estão principalmente interessadas nas duas camadas superiores.
Uma delas é a camada mais externa, ou epiderme, que é a pele que podemos ver e tocar.
“Ela é composta de células chamadas corneócitos, que agem como tijolos”, explica o cientista de cosméticos Ron Robinson, fundador da marca de produtos para a pele BeautyStat. “Esses tijolos são firmemente unidos por gorduras que agem como argamassa – ceramidas, colesterol e ácidos graxos.”
A camada intermediária da pele, a derme, compõe 90% da espessura da pele. “É nela que as coisas divertidas acontecem”, segundo a consultora em dermatologia Mary Sommerlad, de Londres.
A derme consiste de tecido conectivo, vasos sanguíneos, folículos capilares e glândulas produtoras de óleo, além de colágeno e elastina.
“Estas são proteínas mágicas de que precisamos para manter nossa pele macia e evitar linhas e rugas”, explica ela, “e fazem a nossa pele parecer carnuda – é como o santo graal contra o envelhecimento.”
Na verdade, “a maioria das biomoléculas nunca penetra na barreira da pele”, afirma Greg Altman, fundador da empresa Evolved by Nature, de Massachusetts (EUA), produtora de sabão sustentável e sprays para a pele.
Isso ocorre porque a pele é a primeira linha de defesa do nosso corpo contra o mundo exterior.
“A pele é projetada para manter as coisas do lado de fora e faz isso muito bem”, explica a dermatologista clínica e de pesquisa Zoe Draelos, da Universidade Duke, na Carolina do Norte (Estados Unidos). Ela trabalha neste campo há mais de 35 anos.
“Ela regula sua temperatura e o equilíbrio de água, protege você contra doenças e mantém o equilíbrio do microbioma de organismos saudáveis”, prossegue ela. “A pele faz tantas coisas fundamentais para a vida que precisa ser uma barreira. É uma estrutura que não pode ser penetrada facilmente.”
Substâncias como óleos, silicones e ceras encontradas em muitos umectantes são grandes demais para deslizar através da epiderme. Por isso, elas permanecem no topo da pele, agindo como emolientes (agentes umectantes) e vedando a água no seu interior, o que faz a pele parecer suave e macia, segundo Robinson.
Para que uma molécula atravesse a barreira da pele, viaje através da epiderme e entre na derme, ela precisa ter propriedades similares à superfície da pele.
Ela deve ser lipofílica (adorar gordura), seu pH deve ser levemente ácido (4,6 a 5,5) e seu peso molecular deve ser de menos de 500 Daltons. Mas existem formas de contornar essas limitações.
Às vezes, as companhias de cosméticos decompõem uma molécula grande em nanopartículas ou encerram um composto aquoso em uma camada de óleo ou gordura.
Também é possível usar microagulhas para perfurar a superfície da pele ou substâncias químicas, como ácido glicólico, para aumentar a penetração.
É preciso novamente ressaltar que muitos estudos científicos sobre os benefícios de certos ingredientes envolvem pesquisadores que são funcionários das companhias de beleza e buscam vender os seus produtos.
‘Entre a ciência e o marketing’
“Se você quiser penetrar [na pele] um pouco mais, você pode alterar a formulação do seu produto”, segundo Draelos. Mas isso traz alguns riscos.
“Quando algo atinge a derme, será absorvido pela circulação sistêmica”, explica ela. “E os produtos cosméticos não são projetados para isso.”
Ainda assim, isso acontece com alguns ingredientes. Já se descobriu, por exemplo, que o retinol atravessa os melanócitos – a camada inferior de células da epiderme que são responsáveis pela proteção da pele contra a perigosa radiação ultravioleta.
A substância inibe o seu crescimento e torna os usuários mais susceptíveis aos danos causados pelo sol.
Os parabenos, usados como conservantes e para evitar contaminações, são outro exemplo. Alguns estudos indicam que eles podem afetar a produção de hormônios.
Mas Sommerlad afirma que “[ainda] não se decidiu” se este é o caso, e os dermatologistas geralmente consideram que o uso desses ingredientes é seguro, embora as mulheres grávidas possam querer evitá-los por precaução.
A questão é que “o tratamento da pele fica a meio caminho entre a ciência e o marketing”, segundo Altman. Aliado a isso, a indústria da beleza, em grande parte, é autorreguladora.
Existem ainda muitos cientistas que não sabem quais ingredientes podem ser absorvidos pela pele, qual profundidade eles atingem e seus possíveis riscos, segundo ele.
“É bem conhecido que diversas formulações de tratamento dérmico podem apresentar impactos positivos sobre a saúde da pele, mas os mecanismos precisos que levam a esses efeitos nem sempre estão totalmente esclarecidos”, afirma o professor de físico-química Sebastian Björklund, da Universidade de Malmö, na Suécia.
Por este motivo, Björklund lidera um estudo para investigar o tema, concentrado especialmente nas vitaminas. Os primeiros resultados são esperados ainda este ano.
Projetar ingredientes que possam ser absorvidos pela derme e abaixo dela, ao contrário da penetração mais superficial da epiderme, “realmente é muito complicado”, explica Sommerlad. “Não são muitas as drogas que conseguem cruzar facilmente a via transepidérmica porque a química por trás dela é bastante difícil.”
Este é um motivo por que os emplastros transdérmicos de vitaminas praticamente não decolaram.
Emplastros adesivos colados à pele são empregados há décadas para fornecer nicotina, o analgésico fentanil e hormônios anticoncepcionais. Eles oferecem uma forma conveniente de administrar a medicação em dose constante.
Inspirado por este sucesso, o programa de engenharia e pesquisa de alimentação em combate das Forças Armadas dos Estados Unidos começou a estudar, em 2003, se emplastros similares poderiam ser usados para administrar vitaminas e micronutrientes aos soldados em combate.
Mas, duas décadas depois, as evidências científicas do uso desses emplastros ainda é limitada. Não há resultados conhecidos do estudo militar americano, nem foram realizados testes clínicos em larga escala.
Um pequeno estudo publicado em 2019 concluiu que pacientes com bypass gástrico que usaram um emplastro multivitamínico por um ano após a cirurgia apresentaram o dobro de probabilidade de ter deficiência de vitamina D.
Além disso, eles tinham índices de vitamina B2, B12, folato e ferritina no soro mais baixos do que pessoas que tomaram multivitamínico por via oral.
“As vitaminas são absorvidas com muito mais eficiência internamente”, afirma Draelos. “A administração tópica [através da pele] não serve de substituto.”
Além disso, manter alimentação saudável e equilibrada, com suficiente ingestão de água, é essencial para manter a pele saudável, orienta ela.
“Você precisa ter os blocos de construção brutos para que o seu corpo gere as vitaminas, minerais, gorduras e proteínas encontradas naturalmente na pele.”
Quando o assunto é decidir quais produtos de tratamento da pele você irá comprar, dermatologistas como Draelos e Sommerlad oferecem alguns conselhos.
Se você tiver pele saudável, use um higienizador suave e um bom umectante, que sejam adequados ao seu tipo de pele. Proteja-se com filtro solar, preferencialmente que tenha vitamina C ou outros antioxidantes. E adote a premissa de que “menos é mais”, consumindo produtos com menos ingredientes, especialmente se você tiver pele sensível.
“Outro conselho que ofereço aos meus pacientes é cuidar da sua pele como se fosse um lenço de seda”, explica Draelos. “Você não irá rasgar, puxar, perfurar ou repicar um lenço de seda – ele ficaria arruinado. A sua pele é igual.”
Se a sua preocupação for o envelhecimento da pele, Sommerlad recomenda acrescentar um retinoide à rotina acima. Ele irá ajudar a aumentar os níveis de colágeno e elastina.
“Mesmo assim, eu diria que é uma boa ideia conversar com um dermatologista que possa orientar você, porque este é um campo minado e você não quer gastar muito dinheiro com produtos que simplesmente prejudicam a sua barreira da pele ou não fazem aquilo que você deseja.”
Em um ponto, os especialistas concordam. A pele saudável é mais do que capaz de cuidar de si mesma.
“Muitas pessoas acham que você precisa fazer alguma coisa para a sua pele ficar saudável ou ter boa aparência”, segundo Draelos. “Mas, na verdade, a pele ficará bonita enquanto estiver saudável, por si própria.”
“Por isso, de certa forma, quanto menos você fizer, melhor.”
Quais substâncias podem ser absorvidas pela pele?
Vitamina C: a vitamina C pura, normalmente, não consegue penetrar na camada externa da pele. Ela também é muito instável e se decompõe rapidamente quando adicionada a cremes ou soros.
Mas existem muitos tipos diferentes de vitamina C – os chamados “derivados” – e alguns deles podem viajar mais profundamente dentro da pele, onde também permanecem estáveis por mais tempo.
Peptídeos: alguns peptídeos podem atravessar a pele, mas isso varia muito. É possível aumentar a penetração ajustando sua estrutura molecular, ou em mistura com outros peptídeos, por exemplo.
Retinol: o retinol tende a penetrar pouco na pele. Mas a profundidade da penetração depende dos outros ingredientes da mistura.
Um experimento que envolveu a empresa Unilever concluiu que misturar o ingrediente com ácido oleico (uma gordura encontrada no óleo de oliva, entre outros produtos) aumentou sua capacidade de atravessar a pele.
Vitamina E: existem algumas evidências de que a vitamina E pode penetrar na pele até camadas mais profundas.
Mas, como a vitamina C, esta molécula tende a se decompor quando exposta ao ar e à luz. Por isso, para que seja eficaz, ela precisa ser transformada em uma forma mais estável e resistente à oxidação.
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Innovation.