Correlação perversa

Um estudo de monitoramento e análise de dados constatou a existência de uma forte correlação entre taxas de mortalidade por homicídios, violência policial e indicadores socioeconômicos e demográficos.

O estudo, publicado na Revista Panamericana de Salud Pública, foi realizado por pesquisadores do Centro de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) da FAPESP, também conhecido como Núcleo de Estudos da Violência (NEV).

De acordo com a autora principal do artigo, Maria Fernanda Tourinho Peres, os distritos com maior número de vítimas fatais de violência policial na capital paulista são também aqueles que apresentam maior concentração de homicídios e desvantagens sociais, como baixa escolaridade, alta densidade habitacional e precariedade na oferta e na qualidade de serviços públicos.

“Os resultados indicam que uma ação policial centrada na violação de direitos humanos básicos não é a melhor resposta para enfrentar a violência urbana. A combinação de alta taxa de homicídios e arbitrariedade policial cria um ambiente favorável a mais violência”, disse Maria Fernanda à Agência FAPESP.

O artigo sugere que não é a pobreza que explica as altas taxas de homicídio, mas a combinação de desvantagens sociais que caracterizam as áreas periféricas. “Nessa associação entre homicídios e condições de vida, a variável mais importante é a desigualdade e não a pobreza em si. A existência de desigualdade social e a sobreposição de carências parecem explicar melhor as diferenças encontradas na distribuição do risco de morte por homicídios nos espaços urbanos”, apontou.

Segundo a pesquisadora, como não existem dados oficiais sobre a violência e os direitos humanos no Brasil, a pesquisa se pautou no banco de dados do NEV, que é parte do projeto Monitoring human rights violations. O banco de dados busca informações sobre todos os casos de execuções sumárias, linchamentos e violência policial noticiados nos principais veículos impressos do Estado de São Paulo.

“Como não há dados oficiais sobre a violação de direitos humanos no Brasil, a imprensa constitui uma preciosa fonte de informação. O número de casos de ocorrência de violência policial noticiados na imprensa pode ser considerado um indicador da qualidade da atuação policial”, explicou.

O estudo constatou que em 2000 houve uma grande desigualdade na distribuição de mortes por homicídio entre os 96 distritos censitários do município de São Paulo. O coeficiente de mortalidade por homicídio variou de 3,34 por 100 mil habitantes no bairro do Jardim Paulista (Zona Oeste) a 94,8 por 100 mil habitantes em Guaianazes (Zona Leste). No mesmo ano, o coeficiente de mortalidade por homicídio para a capital paulista foi de 52,8 por 100 mil habitantes, sendo que 25 distritos censitários apresentaram valores mais elevados.

Segundo Maria Fernanda, os dados revelam que a atuação violenta da polícia em São Paulo não se distribui de forma igual na população, bem como as taxas de mortalidade por homicídios.

“Outro achado foi que as taxas de mortalidade por homicídio são mais elevadas nos distritos com maior número de vitimas fatais de violência policial. O resultado dessa análise exploratória inicial mostra que uma ação policial dura e violenta não parece ser uma resposta efetiva ao problema da violência urbana. É possível supor que essa resposta acaba por gerar mais violência”, disse, acrescentando que análises adicionais precisam ser feitas considerando, por exemplo, o fator temporal.

Problema sem receita

Segundo a pesquisadora do NEV, nas áreas com altos índices de violência a carência de profissionais do setor público, assim como a alta rotatividade desses profissionais, interfere, diretamente, na qualidade dos serviços prestados, uma vez que se torna difícil estruturar ações de forma continuada.

“Esse problema tem sido discutido particularmente nas áreas com altos índices de violência. Podemos citar as dificuldades encontradas na contratação de médicos para atuar nos serviços públicos de saúde em áreas periféricas com altos índices de violência. Escolas, também, são muitas vezes penalizadas porque muitos profissionais, por questões de segurança, acabam por optar não atuar nessas regiões”, disse.

De acordo com o estudo, parte importante da solução do problema do crime e da violência envolve mudanças nas políticas de segurança e nas formas de gestão das organizações, de modo a valorizar a fixação dos policiais nas áreas de trabalho e promover sua aproximação da comunidade.

“O problema do crime e da violência não tem receita e nem mesmo uma resposta que, isoladamente, resolva toda a gama de questões envolvidas. Hoje, é consenso a idéia de que a violência não é mais um problema exclusivo do campo da segurança pública. Nesse sentido, são necessários esforços conjuntos dos diversos setores da administração pública e da sociedade civil organizada”, afirmou Maria Fernanda.

Outro fator que dificulta, segundo ela, a aproximação da polícia com as comunidades é que em geral essas relações são tensas, pautadas pela falta de confiança, insegurança e medo.

“Isso não é bom e a eventual atuação violenta e arbitrária da polícia é um forte ingrediente para esse padrão de relação. As comunidades não vêem nos policiais representantes de instituições que os protegem e, por isso, acabam por adotar uma postura defensiva e de afastamento. É um ciclo que se retroalimenta e que é preciso cortar”, disse.

Para ler o artigo Homicídios, desenvolvimento socioeconômico e violência policial no município de São Paulo, de Maria Fernanda Tourinho Peres, disponível na biblioteca on-line SciELO (Bireme/FAPESP), clique aqui.

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