Corante extraído do açafrão pode ser útil no combate à dengue

Um composto extraído da raiz da cúrcuma (Curcuma longa L.), também conhecida como açafrão-da-índia, está sendo testado com sucesso por pesquisadores da cidade de São Carlos (SP) no combate às larvas do mosquito transmissor da dengue.

A pesquisa está sendo conduzida no Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica (Cepof), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) financiados pela FAPESP, sob coordenação do professor da Universidade de São Paulo (USP) Vanderlei Bagnato.

“A curcumina, uma das substâncias que conferem a cor alaranjada ao açafrão, possui propriedades fotodinâmicas naturais. Na presença da luz, ela induz a produção de espécies reativas de oxigênio, que são altamente tóxicas”, disse Bagnato.

Por serem transparentes, explicou o pesquisador, as larvas do Aedes aegypti são particularmente sensíveis ao efeito fotodinâmico. O corante se acumula no intestino do inseto após ser ingerido com a água do criadouro. Quando a substância é ativada pela luz, induz a produção de moléculas de oxigênio singlete, que danificam de forma fatal o tecido do trato digestivo.

O princípio é semelhante ao da terapia fotodinâmica empregada experimentalmente no combate a células tumorais e agentes infecciosos.

Em parceria com a empresa PDT Pharma, o grupo do Cepof também está avaliando em três ensaios clínicos a eficácia do corante à base de curcumina no combate a fungos causadores da micose de unha, na descontaminação bucal e no tratamento de úlceras venosas.

Em experimentos in vitro realizados no Instituto de Física (IF) da USP de São Carlos, o composto já se mostrou eficaz para matar microrganismos.

Nos últimos dois anos, durante o mestrado de Larissa Marila de Souza pelo programa de pós-graduação em Biotecnologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), o uso do corante no combate às larvas de Aedes vem sendo testado sob a orientação de Bagnato e de Cristina Kurachi, professora no Instituto de Física de São Carlos (IFSC) – com a colaboração da pesquisadora Natalia Inada, também do IFSC.

“Por enquanto, os experimentos têm sido feitos apenas em laboratório, com um sistema padronizado e controlado. O objetivo é determinar a concentração mínima necessária para matar as larvas sem causar impactos ambientais”, contou Inada.

Os pesquisadores estão comparando o efeito da terapia fotodinâmica com uso de luz solar, luz branca comum e luz de LED azul. No ensaio mais bem-sucedido, 100% das larvas presentes na amostra morreram depois de oito horas de exposição à luz solar, sendo que a taxa de mortalidade começou a subir após as duas primeiras horas. Foi usado no experimento o corante em uma concentração de 15 microgramas para cada mililitro de água.

“O melhor resultado observado foi com a luz solar, o que é ótimo, pois não seria viável economicamente instalar lâmpadas para iluminar todos os criadouros naturais do mosquito. Outro fato importante observado é que, mesmo nos dias nublados, o experimento foi repetido e observamos uma mortalidade importante, ou seja, não é necessário que o criadouro receba iluminação direta para que o método funcione”, afirmou Inada.

Segundo a pesquisadora, a exposição à luz solar foi suficiente para em 24 horas degradar completamente o corante em derivados menores, cuja toxicidade está no momento sendo estudada pelos pesquisadores.

“Antes de levar a pesquisa de campo para os criadouros naturais, precisamos ter total certeza de que as substâncias resultantes da fragmentação fotoquímica da curcumina são inofensivas a outros seres vivos, como algas, peixes, humanos e animais domésticos que eventualmente tenham contato com a água do criadouro”, disse Inada.

Alguns estudos preliminares de toxicidade vêm sendo realizados por Souza com brotos de feijão e com oligoquetas – um tipo de minhoca que costuma ser encontrada nos criadouros e serve de alimento para as larvas de Aedes. O grupo busca parcerias para a realização de ensaios com espécies maiores e mais complexas.

“Como o composto à base de curcumina se degrada num período de 24 horas, a aplicação nos criadouros teria de ser periódica, no caso de ser adotado em uma estratégia de prevenção da dengue. Para testar a viabilidade da proposta seria necessário haver interesse das autoridades sanitárias”, comentou Bagnato.

Curcumina sintética

O processo de extração do corante, que tem como matéria-prima o açafrão moído, foi desenvolvido em parceria com pesquisadores da UFSCar que integram o grupo do Cepof e a empresa PDT Pharma.

“Com o uso de solventes, obtivemos uma mistura de curcumina e outras substâncias muito parecidas, denominadas curcuminoides, como a mono-demetoxicurcumina e a bis-demetoxicurcumina. Mas esse extrato bruto não é apropriado para uso como fotossensibilizador, pois é contaminado com uma série de outras substancias orgânicas da planta. É necessário um intenso processo de purificação”, explicou o químico Kleber Thiago de Oliveira, professor da UFSCar.

No entanto, explicou Oliveira, o processo de extração e purificação a partir do produto natural seria inviável para uso em larga escala. Para resolver o problema, a equipe do Grupo de Síntese de Compostos Heterocíclicos com Atividades Fotossensibilizadoras da UFSCar desenvolveu um método para produzir uma curcumina sintética, com a mesma estrutura química encontrada no corante natural.

“Além de permitir a produção em larga escala, o processo é mais sustentável. O fato de não ter a presença dos outros curcuminoides não tem diminuído significativamente a atividade da molécula nos estudos em andamento. Ao contrário, o uso de curcumina sintética tem trazido dinâmica, amplitude, versatilidade e reprodutibilidade aos experimentos”, avaliou Oliveira.