O programa brasileiro de distribuição de medicamentos anti-retrovirais para controle da Aids pelo sistema público de saúde é referência mundial. Entretanto, pesquisa da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) aponta que o programa tem o grande desafio de manter sua sustentabilidade nos próximos anos. O estudo do sanitarista Mário Scheffer indica que a solução está em ações mais efetivas do Estado, exercendo seu poder de compra na aquisição de medicamentos, estimulando a produção e a pesquisa científica nacionais e regulando melhor a incorporação de novos anti-retrovirais ao Sistema Único de Saúde (SUS).
Em meados da década de 1990 do século passado, o surgimento dos anti-retrovirais aumentaram a eficiência no controle da doença, ao mesmo tempo que havia base legal para universalizar o tratamento, na Constituição Federal e na legislação que regula o SUS", conta Scheffer. A distribuição de medicamentos começou em 1989, quando havia apenas o AZT, mas a mobilização de organizações não governamentais e de pessoas que vivem com HIV e Aids foi essencial para assegurar a incorporação mais ampla dos anti-retrovirais, consolidada pela lei federal 9313, de 1996, acrescenta.
Hoje, o País conta com cerca de 400 unidades dispensadoras de anti-retrovirais no sistema público de saúde. O número de pacientes atendidos chegou a 185 mil em 2007. Estes medicamentos provocaram uma queda de 50% no número de mortes e diminuíram as internações hospitalares em 80%, ressalta o sanitarista. O tratamento transformou a Aids numa doença crônica, e por essa razão os pacientes necessitam de acompanhamento permanente dos serviços de saúde.
Com o passar dos anos, o organismo pode criar resistência ou intolerância aos anti-retrovirais, que vão perdendo efeito, obrigando o uso de medicamentos mais avançados, recém-lançados no mercado e protegidos por patentes, alerta Scheffer. O Governo Federal gasta R$ 1 bilhão por ano na compra de medicamentos, sendo que apenas oito dos 18 anti-retrovirais distribuídos pelo SUS são produzidos no Brasil. Como além dos pacientes já atendidos estima-se que haja cerca de 600 mil pessoas infectadas pelo HIV que não estão em tratamento por falta de diagnóstico, é necessário buscar alternativas para manter a sustentabilidade do programa.
Estratégias
A pesquisa aponta quatro estratégias indispensáveis para a manutenção do programa de tratamento da Aids. A primeira delas é o Ministério da Saúde fazer valer seu poder de compra, pois como a aquisição dos medicamentos é centralizada, ele é o maior comprador isolado de anti-retrovirais do mundo, diz o sanitarista. Embora o Brasil tenha sido bem sucedido em conseguir preços mais vantajosos em alguns casos, há países que conseguem preços menores.
A segunda estratégia é estimular a produção nacional de anti-retrovirais. O País tem base científica, capacidade instalada e experiência prévia para produzir, mas faz apenas os medicamentos mais antigos, não patenteados, resslata Scheffer, que também aponta a redução do número de empresas farmacêuticas estatais fornecedoras de anti-retrovirais para o Governo Federal, de cinco em 2000 para apenas uma em 2007, sendo que 70% dos recursos do programa da Aids são para compra de medicamentos de empresas multinacionais. Como terceiro ponto, o Brasil deve utilizar melhor as salvaguardas da legislação, entre elas o licenciamento compulsório de medicamentos, decretado pela primeira vez em 2007.
De acordo com o sanitarista, essas três estratégias já são adotadas, mas precisam ser reforçadas com um quarto elemento: maior presença do Estado na regulação. O governo, por meio do Ministério da Saúde, é um dos cinco grandes atores que interferem na incorporação dos antiretrovirais, ao lado das empresas farmacêuticas, médicos, pacientes e do poder judiciário, que muitas vezes antecipa a adoção de novos medicamentos, explica. O Estado deve estabelecer uma ação regulatória, interegrada e sistêmica, que também sirva de modelo para a incorporação de novas tecnologias ao sistema de saúde.
A presença do Estado deve acontecer em todos os percursos da incorporação dos medicamentos, defende Scheffer, desde as pesquisas clínicas, passando pelos consensos terapêuticos, até o registro e a prescrição. Também seria necessário um maior protagonismo do Estado no ensino e monitoramento dos prescritores, fornecendo informação autônoma aos médicos e reduzindo sua dependência do marketing das empresas farmacêuticas, salienta. Por fim, a maior agilidade no tempo de incorporação reduziria a necessidade do poder judiciário ser acionado para permitir o acesso a novos medicamentos
Mais informações: (11)3120-3125, com Mário Scheffer. Pesquisa orientada pela professora Ana Luiza D Ávila Viana