A decisão feminina de interromper uma gestação está relacionada ao conhecimento da gravidez pelo parceiro e à reação que este esboçou no momento da descoberta. Tal afirmativa é resultado da pesquisa de mestrado da psicóloga Daniele Nonnenmacher, que também constatou que o abortamento, mais conhecido como aborto, frequentemente se associa à depressão, independente de ser provocado ou espontâneo. A pesquisa, realizada na Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), comparou resultados obtidos em São Paulo (SP) e Natal (RN), e concluiu que a participação masculina está associada à decisão de abortar.
“Embora avanços sociais tenham ocorrido, seguem enraizados na identidade feminina princípios culturais e sociais que, diante da situação de abortamento, despertam na mulher conflitos e ambivalências”, explica Daniele. Na capital paulista, as reações negativas e a falta de participação do parceiro contribuíram à decisão de provocar o aborto. Já em Natal, a ausência deste no momento em que a gravidez se confirmou foi associada a seu interrompimento.
Nas duas capitais, a distribuição das religiões entre as mulheres que abortaram não foi diferente da média populacional de cada região, de acordo com o censo de 2010 feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Além disto, os dados apontaram que o aborto provocado foi mais frequente em mulheres solteiras, com menor numero de gestações e de abortamentos espontâneos anteriores, tanto em Natal, quanto em São Paulo.
Aborto espontâneo
A pesquisa também incluiu a vivência do aborto espontâneo, aquele em que a gestação é interrompida involuntariamente, devido a algum problema no desenvolvimento embrionário. Esta escolha foi feita pois há poucos estudos que associem os dois tipos de abortamento ou que considerem os aspectos emocionais da perda espontânea. Segundo a psicóloga, “a não concretização [da gravidez] ou sua recusa são muitas vezes criticadas pela sociedade, sendo a mulher responsabilizada ou mesmo estigmatizada por isso”, já que a maternidade ainda é um forte símbolo de representação da mulher.
A média de depressão das mulheres que abortaram foi de 50% em São Paulo e de 72,7% em Natal, sem apresentar grandes diferenças entre os tipos de aborto. O número é considerado alto em relação às taxas comuns nas mulheres, que giram entre 5 e 9%. Mesmo que no período gestacional esses índices tenham tendência a se elevar, isso “reforça a relevância dos aspectos emocionais da mulher diante desta experiência, independente de ser espontânea ou provocada, e a importância de uma atenção integral”, finaliza.
O estudo foi um desdobramento do projeto Culpa, Ansiedade e Depressão na Vivência do Abortamento Provocado, realizado pela FMUSP, em parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Nele, foram entrevistadas ao todo 316 mulheres que haviam sofrido aborto recente, internadas em um hospital em Natal e três hospitais em São Paulo. Além das entrevistas, todas elas passaram por um teste que avaliou a existência de depressão. Os dados foram coletados entre julho de 2008 e maio de 2010, reunidos na dissertação de mestrado, que pode ser baixada aqui.
A dissertação de mestrado Abortamento: depressão e percepção das mulheres quanto às reações e condutas do parceiro em duas capitais brasileiras foi apresentada em julho de 2013 na FMUSP. A orientação foi da professora Glaucia Rosana Guerra Benute.