Computação móvel auxilia serviços de saúde

Agência FAPESP – O profissional de saúde chega à casa do paciente e abre o prontuário médico eletrônico com um toque no celular. Caso a pessoa necessite ser analisada por um especialista, o agente chama pelo mesmo aparelho o médico de plantão. Por videoconferência, o paciente é apresentado ao especialista pela câmera do celular. Após o procedimento, o profissional de saúde dita o relatório da visita no aparelho e um software transforma o som em texto, que será arquivado no banco de dados do centro de saúde.

Essa sequência é parte de um cenário que pesquisadores do Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo (IME-USP) estão ajudando a criar com o desenvolvimento do projeto Borboleta: Sistema integrado de computação móvel para atendimento domiciliar de saúde, iniciado em 2007 e apoiado pelo Instituto Microsoft Research-FAPESP de Pesquisas em TI.

O projeto surgiu de uma conversa informal, segundo contou o coordenador do projeto, professor Fabio Kon, do Departamento de Ciência da Computação do IME, à Agência FAPESP.

“Queríamos desenvolver um trabalho que tivesse um impacto importante na sociedade em poucos anos. Foi quando tive uma conversa com Rubens Kon, diretor do Centro de Saúde-Escola Samuel Pessoa – Butantã [da Faculdade de Medicina da USP], que me apresentou as demandas dessas unidades de saúde”, disse.

A equipe do IME, em conjunto com os profissionais do Centro de Saúde, decidiu desenvolver soluções para os serviços de atendimento domiciliar planejados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), em especial o Projeto Saúde da Família (PSF), de caráter preventivo, e o atendimento primário domiciliar, destinado a pacientes que não conseguem se locomover às unidades de saúde e que precisam ser atendidos em casa, como é o caso de algumas vítimas de acidente vascular cerebral, pacientes recém-operados e idosos com dificuldade de locomoção.

“Percebemos que essas visitas geram um volume muito grande de documentos, que acabam sendo arquivados nos centros de saúde e que dificilmente serão acessados posteriormente”, disse Kon.

Ele conta que o profissional de saúde vai às ruas com uma pasta contendo anotações de todo os pacientes que serão visitados e a visita exige o preenchimento de formulários que serão adicionados aos prontuários e aumentarão a pilha de papel arquivado.

A solução apresentada pela equipe do projeto Borboleta foi substituir a papelada por arquivos eletrônicos a serem transportados em forma digital pelo profissional de saúde na memória de um aparelho celular do tipo smartphone, que é, no fundo, um computador portátil.

Os prontuários são transferidos para o smartphone ainda no centro de saúde. Na casa do paciente, o profissional acessa a documentação do paciente pelo aparelho, atualiza os dados e, ao retornar ao centro de saúde, transfere as informações por meio de uma rede sem fio para o banco de dados da unidade, de onde poderão ser acessadas com mais facilidade por outros profissionais quando for preciso.

Os smartphones ainda podem carregar listas de medicamentos disponíveis no centro de saúde, catálogo internacional de doenças e outros arquivos e informações úteis ao atendimento.

O desenvolvimento do sistema conta com apoio do Centro de Saúde-Escola Samuel Pessoa, da Faculdade de Medicina da USP e do Departamento de Ciência e Tecnologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) de São José dos Campos.

Versão 2.0

Além da comodidade do transporte, Fabio Kon destaca a vantagem da preservação dos dados. “Não há perda de informação, como no caso do papel, pois os dados poderão ser acessados a qualquer momento e com o auxílio de ferramentas de mineração de dados”, disse.

As ferramentas eletrônicas permitem aumentar a quantidade e a qualidade dos dados e ainda podem embutir sistemas de alerta automáticos em caso de necessidade.

Kon explica que seria possível estender o sistema para detectar a incidência de doenças em determinados bairros e relacioná-las à presença de um córrego, por exemplo, o que facilitaria e agilizaria a atuação dos órgãos de saúde. No caso de o sistema encontrar indicadores de uma epidemia, uma mensagem poderia ser enviada automaticamente a um profissional responsável para que averigue o problema.

A primeira versão do Borboleta, em 2008, serviu de laboratório para que os agentes de saúde aperfeiçoassem as funcionalidades do programa e até os próprios procedimentos a que estavam acostumados. Novos recursos foram acrescentados e outros foram modificados ou retirados.

“Eles também repensaram o próprio serviço que faziam e o aperfeiçoaram”, ressaltou Kon, que acaba de entregar aos técnicos do Centro de Saúde-Escola Samuel Pessoa a segunda versão do Borboleta, com as modificações solicitadas.

Outros pontos que poderiam ser aprimorados ainda dependem de fatores externos. Entre eles, o professor da USP destaca o alto preço dos serviços de telefonia móvel no Brasil. Se fossem mais baratos, seria possível acessar os dados on-line pela rede de telefonia em vez de ter de carregá-los somente no centro de saúde.

O exemplo da consulta por teleconferência citado no início do texto também dependeria do valor da ligação, além da disponibilização de um plantão on-line de várias especialidades médicas, um serviço que precisaria ser criado.

O valor do celular é outro obstáculo a ser contornado. Apesar de rodar em aparelhos mais simples, o sistema tem um desempenho melhor nos chamados smartphones, cujos preços giram em torno de R$ 1 mil, atualmente.

Projeto Sagui

Um dos principais obstáculos encontrados ao longo da pesquisa levou a equipe do IME a lançar outro projeto específico nascido e executado no âmbito do Borboleta. Trata-se do Sistema de Apoio à Gestão Unificada de Informações de Saúde (SAGUISaúde), que tem o objetivo de adequar os sistemas de gerenciamento dos centros de saúde às informações geradas em campo pelo Borboleta.

“Percebemos que os centros de saúde não estavam preparados para armazenar nem trabalhar as informações que o projeto gerava”, explicou Kon. Segundo ele, os sistemas informacionais dessas unidades estão focados na administração financeira a fim de que o SUS possa efetuar o reembolso dos centros pelos serviços executados.

Atualmente em fase de desenvolvimento, o SAGUISaúde poderá ser acessado pela internet, de modo a agilizar o atendimento e gerar economia aos serviços de saúde.

“Hoje, quando o médico solicita exames laboratoriais, por exemplo, o paciente recebe um número de telefone para ligar e agendar uma data. O Sagui poderia fazer esse agendamento automaticamente, assim que o médico registrasse o pedido no sistema”, exemplificou Kon.

O programa também poderia enviar um lembrete na véspera da consulta por meio de uma mensagem ao celular do paciente. O professor contou que cerca de 30% das pessoas faltam à consulta agendada, muitas vezes por simples esquecimento.

“A mensagem do Sagui lembraria os esquecidos e ainda ofereceria uma opção de cancelamento da consulta. Caso ele optasse por cancelar, uma mensagem seria remetida ao sistema, que liberaria o horário para o atendimento de outro paciente”, explicou.

Quanto mais os sistemas se desenvolvem, mais desafios surgem para a equipe. Entre eles, o gerenciamento de um volume de dados cada dia maior. Somente o Centro de Saúde-Escola Samuel Pessoa mantém um arquivo de 120 mil pacientes cadastrados.

Para administrar essa montanha de dados, a partir do segundo semestre, dois doutorandos começam a desenvolver sistemas de mineração de dados específicos para atender o Sagui e o Borboleta.

Outra pedra no caminho da pesquisa é a manutenção da segurança dos dados. “Informações pessoais dos pacientes estarão arquivadas em computadores e celulares dos centros de saúde e isso deve ser bem protegido”, salientou Kon.

É sobre esse problema que se debruça o estudante Cleber Morio Okida, também do IME-USP, com seu projeto “Privacidade e segurança da informação em dispositivos móveis e conexão sem fio”, que conta com apoio da FAPESP por meio de Bolsa de Mestrado.

Uma meta ainda mais ambiciosa envolve programas de reconhecimento de voz. O objetivo é permitir aos médicos e demais profissionais de saúde converterem seus relatórios orais em textos escritos.

“Não há bons programas desse tipo em português, especialmente focados em medicina e saúde”, disse Kon. Por isso, a equipe do IME-USP, em colaboração com a pesquisadora norte-americana Rebecca Bates, da Universidade do Estado de Minnesota, pretende desenvolver uma ferramenta que contemple também essa necessidade.

Projeto Borboleta: http://ccsl.ime.usp.br/borboleta/pt-br.

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