O acesso a medicamentos essenciais a preços justos é uma luta enfrentada pelos países em desenvolvimento. Para discutir recomendações e ideias que garantam esse acesso como medida integral para a saúde como direito humano, a Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF) da Câmara promoveu uma audiência nesta quinta-feira (3/4). Solicitado pela deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), o encontro também debateu o trabalho da organização Medicamentos para Doenças Negligenciadas. O vice-presidente de Produção e Inovação em Saúde da Fiocruz, Jorge Bermudez, participou da audiência. Também foram convidados para o debate a diretora da Open Society Foundations, Els Torreele, o professor da University School of Law de Boston, Brook Baker, e a consultora independente Eloan Pinheiro. Estiveram presentes ainda o presidente da CSSF, deputado Amauri Teixeira (PT-BA), e o presidente da Frente Parlamentar de Saúde, Darcisio Perondi.
O vice-presidente Jorge Bermudez lembrou que, há 15 anos, 39 empresas farmacêuticas moveram ações contra o governo na África do Sul pela quebra de patentes de remédios contra a Aids. “Foi um enfrentamento entre a indústria e a necessidade dos povos que precisam de remédios a baixo custo. Saúde versus comércio. E esse processo teve como referência a campanha HIV-Aids do Brasil e a forma de compra de remédios pelos SUS”, destaca Bermudez. Para ele, vivemos uma situação “dramática” no preço dos remédios. Ele diz que novos medicamentos contra o câncer são lançados com preço entre US$ 100 mil e US$ 400 mil. Para a hepatie C novas drogas custam US$ 84 mil. Por outro lado, se as patentes pudessem ser quebradas, os mesmos remédios poderiam ser feitos no Brasil por US$ 240.
O presidente da Comissão de Seguridade Social e Família, deputado Amauri Teixeira, afirmou que o contexto histórico do Brasil deve ser lembrado. “Vivemos na pós-ditadura o liberalismo econômico que tinha uma crença absoluta no mercado. Isso incentivou as multinacionais do setor. Hoje temos uma dependência externa dos derivados de sangue, por exemplo, além de outros fármacos”, disse Teixeira. Ele informou que em 30 dias deve ser apresentado o relatório da Subcomissão de Desenvolvimento do complexo industrial em saúde, produção de fármacos, equipamentos e outros insumos, já com proposições para o setor. Ele destacou ainda que, a atividade parlamentar juntamente com o que determinam os tratados internacionais, pode trazer avanços na flexibilização da lei de patentes.
Nova pandemia
A consultora independente Eloan Pinheiro alerta para uma nova pandemia. A hepatite C, que atinge 185 milhões de pessoas no mundo e 3 milhões no Brasil. Do total, só 11 milhões recebem tratamento a baixo custo. No Brasil, o custo para tratamento chega a R$ 13 mil por mês. “O remédio é produzido por grandes empresas internacionais. Não podemos esquecer as quebras de patentes compulsórias previstas em acordos internacionais e que não é colocada em prática. O Congresso brasileiro é fundamental para mudar essa realidade. Não precisamos ter um parente morrendo para mudar a legislação”, afirma Eloan. Ela lembra que o Brasil já pode produzir moléculas e equipamentos e, dessa forma, baixar os preços. E fazer medicamentos pra câncer ou hepatite antecipadamente. “Índia e Egito já têm genéricos para hepatite C. O que impede fazer o mesmo no Brasil? Ou até ter um orçamento próprio, com tem o programa de Aids. Ou daqui a pouco os pacientes vão pedir na justiça o remédio e o estado vai ficar ainda mais endividado”, concluiu Eloan.
A diretora da Open Society Foundations (EUA), Els Torreele, afirmou que o acesso a medicamentos com preços baixos é uma responsabilidade pública e que devem estar disponíveis e acessíveis para todos. “Um terço da população mundial não tem acesso a remédios. Hoje, trabalhamos com pacientes na Ucrânia e Tailândia que enfrentam a hepatite C e na África do Sul, somente a primeira linha de remédios para Aids está acessível”, destacou Els. Ela lembrou que no Brasil há um governo e uma sociedade civil mobilizados, que perceberam que vidas são mais importantes que patentes de remédios. Els afirma que o monopólio das grandes empresas provoca os altos preços. “Hoje, 15 anos depois, para HIV-Aids temos medicamentos acessíveis para quem quiser. Mas para câncer, hepatite C e doenças cardiovasculares não temos solução. A reforma da lei de patentes precisa ser aprovada pelo Congresso”, ressaltou.
Brook Baker, da University School of Law (EUA), afirma que a saúde é um direito humano. Ele lembra que segundo a Organização Mundial da Saúde, a saúde é um direito de todos os seres humanos sem distinção de raça ou condição social. “Na África do Sul, a Constituição espelha medidas adotada pelo Brasil na questão da quebra de patentes de remédios para HIV-Aids. Mas a lei de patentes brasileira deveria ter mais flexibilidade para que novos medicamentos com baixo custo pudessem ser produzidos ter a patente quebrada. Os grandes monopólios sempre vão querer impedir mudanças, por isso o Brasil deve ter mais agilidade nesse sentido”, disse Baker.
Para Jandira Feghali, o país tem novos desafios e passos para seguir. Ela lembrou ainda o subfinanciamento da saúde no Brasil, que compromete iniciativas como a pesquisa científica para inovação e desenvolvimento de novos remédios. “Mas já tivemos o reconhecimento da força do Brasil, e da Anvisa, no exterior. E nessa audiência percebemos mais ainda a diferença entre o que está no papel e a realidade. Precisamos avançar na flexibilização da lei de patentes com urgência. E essa luta começa aqui no Congresso brasileiro, onde temos seis projetos de lei que enfrentam grandes dificuldades para aprovação”, afirmou a deputada.