Coletânea atualiza conhecimentos em saúde do trabalhador

Lançado em 2011 pela Editora Fiocruz, o livro Saúde do trabalhador na sociedade brasileira contemporânea apresenta o estado da arte nessa área ao debater questões como a incorporação tecnológica e a globalização dos mercados, assim como a persistência de formas arcaicas de produção, a precarização do trabalho e a exclusão social. Obra de referência, a coletânea teve grande repercussão entre estudiosos do assunto. Uma prova desse sucesso é que rapidamente seus exemplares esgotaram no estoque da Editora Fiocruz. Devido à grande procura, o livro acaba de ser reimpresso. E os interessados têm, ainda, a opção de adquirir o e-book, tanto em PDF quanto em Epub.

“Olhamos a saúde do trabalhador do ponto de vista da saúde pública. O foco, portanto, é a saúde integral do trabalhador”, destaca o sociólogo Carlos Minayo, um dos organizadores do livro, ao lado dos médicos Jorge Mesquita Huet Machado e Paulo Gilvane Lopes Pena. “Procuramos interpretar a origem das situações seja do ponto de vista tecnológico, econômico, social ou político. Dessa forma, não ficamos restritos aos locais de trabalho, seja no setor industrial, agrário ou de serviços. Nossa reflexão inclui os espaços de reprodução da força de trabalho, o que compreende a rua, as condições de vida, o acesso à saúde”, afirma Minayo.

Incorporar o setor de serviços ao debate em saúde do trabalhador e refletir sobre questões de saúde mental, abordando as subjetividades, o sofrimento e o estresse dos trabalhadores: eis duas das principais contribuições da coletânea. “Estudamos todo o processo de trabalho, que não se limita às dimensões físicas, químicas e biológicas e engloba, sobretudo, as relações sociais. Para ações efetivas de prevenção à saúde do trabalhador, é preciso compreender não apenas o ambiente, mas também a organização do trabalho: o tipo de gestão, a hierarquia, as pressões”, diz Minayo.

A obra se destaca, também, por conter análises sobre políticas públicas e vigilância em saúde do trabalhador. Ao fazer um diagnóstico da área, o livro identifica avanços e lacunas e, assim, sinaliza propostas de ação. “Toda a compreensão teórica da problemática da saúde do trabalhador está muito consolidada. Também avançamos na definição de políticas públicas, mas a sua implementação efetiva ainda é um ponto nevrálgico”, pondera o pesquisador.

Outro aspecto que requer mais atenção é o controle social e a atuação sindical. “Com todos esses momentos de crise e reestruturação produtiva, os movimentos sindicais concentraram esforços na luta por emprego e melhores salários. A questão da saúde ficou num plano secundário: nessa área, as demandas são voltadas, basicamente, para a assistência e muito para a realização de ações de vigilância”, avalia. Segundo Minayo, para que essas ações sejam efetivas, é necessário conceber a vigilância em uma perspectiva intersetorial, envolvendo diversas instâncias públicas e organizações da sociedade civil. Nesse sentido, a coletânea pode trazer contribuições para os profissionais que estão na academia e nos serviços (tanto de atenção básica quanto especializados), as instituições públicas e outros variados segmentos sociais.

Serviços: o caso do telemarketing

A coletânea está dividida em quatro partes: Políticas e estratégias de vigilância e prevenção; Acidentes e agravos; Subjetividade e trabalho; e Trabalho em serviços e questões de gênero – onde os autores apresentam, por exemplo, estudos relativos aos trabalhadores da saúde, em especial do Sistema Único de Saúde (SUS), e da educação. “A relevância da temática (saúde dos trabalhadores do setor de serviços) advém não só do evidente crescimento desse universo de trabalhadores, mas também da sua especificidade. Nos últimos anos, superando o modelo industrialista hegemônico nas pesquisas sobre saúde dos trabalhadores, a ampliação do setor terciário da economia no país e no mundo exigiu a criação de novos instrumentos teóricos e conceituais para sua análise e compreensão”, explicam os organizadores na apresentação do livro. “O serviço é uma atividade interativa, exigindo canais de sustentação de seu fluxo e de manutenção do vínculo entre prestadores e usuários. Essa relação direta e imediata, que pode ser fonte de prazer, também é fonte de estresse, de sofrimento e de exploração que provoca adoecimentos. A configuração desse universo, embora tenha diversas características comuns com a dos trabalhadores da indústria, deve ser realizada levando em conta suas peculiaridades”.

Além dos trabalhadores da saúde e da educação, os operadores de telemarketing também são alvo de um capítulo na quarta parte do livro. Ramo que tem se expandido de modo significativo, o telemarketing é um caso emblemático da relação do trabalhador com o cliente – característica marcante das profissões no setor de serviços. O operador é instruído a seguir um roteiro de atendimento e trabalha sob rígidos sistemas de controle e avaliação. No entanto, aquele roteiro, com frequência, não é suficiente para resolver problemas reais: diante de reações imprevisíveis de clientes, muitas vezes irritados, o operador vivencia paradoxos – apesar da sua pouca autonomia no trabalho, ele deve ser capaz de argumentar e negociar; precisa encaixar a tomada de decisões nas suas tarefas repetitivas; tem que criar sem sair da rotina. Tudo isso com outro agravante: garantir a satisfação do cliente com o menor tempo possível por atendimento (sendo que até o intervalo para ir ao banheiro é cronometrado!).

Os reflexos na saúde dos trabalhadores podem ser os mais variados: perdas auditivas associadas ao ambiente de ruído elevado; desconforto, dores e distúrbios osteomusculares por conta da carga física; ansiedade e irritabilidade; cansaço e esgotamento mental. “Os estudos que buscam fazer uma análise psicossocial da atividade de telemarketing identificam como fatores de estresse: a rapidez no atendi­mento em conflito com a qualidade do atendimento; a constante mudança entre as informações referentes aos produtos e serviços e a necessidade de conhecimentos; a repetitividade da tarefa em contraste com a complexidade”, assinala a autora do capítulo, a cientista social Simone Santos Oliveira. “Esses trabalhos mostram a importância das trocas intersubjetivas, como um suporte social gerado pelas relações sociais estabelecidas no trabalho, a fim de diminuírem o impacto dos fatores de risco e possibilitarem a convivência com tarefas monótonas e pouco criativas”, completa Simone, que é doutora em Saúde Pública e pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/Fiocruz).

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