Chumbo antissocial

O trabalho de pesquisa de doutorado de Kelly Polido Kaneshiro Olympio, apresentado na Faculdade de Saúde Pública (FSP) da Universidade de São Paulo (USP) e que demonstra uma importante associação entre a exposição a chumbo e o comportamento antissocial em adolescentes, foi premiado pela União Internacional de Toxicologia (Iutox, na sigla em inglês).

O estudo, realizado em parceria com pesquisadores do Instituto de Química (IQ) da universidade, analisou as concentrações de chumbo presentes no esmalte dentário de 173 adolescentes residentes em bairros de baixa condição socioeconômica de Bauru, interior paulista. O trabalho teve apoio da FAPESP na modalidade Bolsa de Doutorado.

O objetivo foi investigar uma possível associação entre a concentração de chumbo presente no esmalte dentário, marcador biológico escolhido por refletir a exposição ao metal, de adolescentes de 14 a 18 anos de idade e o estabelecimento de comportamento antissocial.

“Verificamos uma forte associação entre exposição a chumbo e estabelecimento de morbidade psiquiátrica na amostra analisada, como problemas de socialização, quebras de regras sociais e queixas somáticas, que são problemas de saúde sem causa médica conhecida”, disse Kelly à Agência FAPESP.

Os resultados corroboram pesquisas anteriores realizadas nos Estados Unidos, mas “é a primeira desenvolvida no Brasil, portanto dentro de uma realidade socioeconômica e cultural bastante distinta da norte-americana”, afirmou.

Incluindo os diversos fatores de risco sociais e familiares para o estabelecimento dos problemas encontrados na análise estatística, a exposição ao chumbo se mostrou um dos fatores de risco mais importantes.

“Os vários efeitos prejudiciais à saúde causados pela contaminação por chumbo e confirmados pela pesquisa alertam para a necessidade de desenvolvimento de políticas públicas que previnam a contaminação da população brasileira por esse metal”, apontou.

Tal contaminação, conta Kelly, pode refletir sérias perdas individuais na inserção social e no rendimento profissional, contribuindo para prejuízos econômicos em âmbito populacional.

A pesquisa foi orientada pela professora Wanda Günther, do Departamento de Saúde Ambiental da FSP, e co-orientada pelo docente Etelvino Bechara, do Departamento de Bioquímica do IQ, responsável por um Projeto Temático da FAPESP no qual o trabalho de Kelly está inserido.

Premiação internacional

O trabalho da pesquisadora foi premiado pela Iutox com o 2009 SOT/AstraZeneca Travel Award, que consiste na concessão de US$ 2 mil destinados a custear a viagem a Baltimore, nos Estados Unidos, onde os resultados da pesquisa foram apresentados por Kelly durante o 48º Encontro Anual da Sociedade de Toxicologia, realizado entre os dias 15 e 19 de março.

“Receber esse prêmio significa o reconhecimento internacional da importância de se estudar essa associação no Brasil, que tem uma realidade socioeconômica e cultural muito distinta da encontrada nos Estados Unidos. A exposição ao chumbo se manteve como fator de risco relevante para o estabelecimento de síndromes psiquiátricas”, disse.

No novo estudo, a concentração de chumbo no esmalte dentário foi analisada por meio de uma técnica conhecida como espectrometria de absorção atômica com forno de grafite. Para a interpretação correta da concentração de chumbo foi preciso quantificar também a concentração de fósforo da amostra, por meio de espectroscopia de emissão óptica com plasma indutivamente acoplado.

“Trata-se de uma microbiópsia de esmalte dentário superficial, um recurso de baixo custo e fácil operacionalização que pode ter grande utilidade em estudos nos quais se queira avaliar a exposição passada do indivíduo ao chumbo. No entanto, ainda não há dados epidemiológicos de concentração de chumbo no esmalte suficientes na literatura, de modo a estabelecer o que pode ser considerado alta ou baixa exposição, permitindo apenas comparações dentro de cada estudo”, explicou a dentista.

O chumbo é uma neurotoxina silenciosa e devastadora em crianças. A neurotoxicidade induzida pelo metal ocorre mediante exposição, ao longo do tempo, a baixas concentrações de chumbo oriundo principalmente da poeira e tintas.

“Muitas fontes domésticas, ocupacionais e ambientais são de especial risco para a contaminação por chumbo, que está presente na poeira de regiões próximas a indústrias que o utilizam em seus processos produtivos”, disse.

O metal também está presente na composição de produtos como cabos elétricos, baterias, brinquedos piratas, persianas antigas, tintas, plásticos, cerâmicas de uso domiciliar, tinta zarcão utilizada como anticorrosivo em portões de ferro e encanamentos antigos.

Segundo ela, apenas em 2008 a legislação brasileira fixou o limite máximo de chumbo permitido na fabricação de tintas imobiliárias, de uso infantil e escolar, vernizes e materiais similares.

“Em países do hemisfério Norte, a contaminação humana por chumbo vem sendo associada à violência urbana, à redução do rendimento profissional na fase adulta e à destinação de verbas de saúde pública para a prevenção e tratamento dessa contaminação”, disse.

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