O leite materno humano tem carboidratos, chamados oligossacarídeos, que servem de alimento para bactérias benéficas, como a Bifidobacterium infantis.
Segundo Daniela Barile, professora do Instituto de Ciências e Tecnologia de Alimentos da University of California em Davis, Estados Unidos, ao se proliferar e colonizar o intestino, essas bactérias benéficas aumentam a imunidade e ajudam a proteger os bebês de infecções e doenças causadas por micróbios prejudiciais à saúde, como a Escherichia coli.
“Evidências mostram que o leite materno promove a saúde intestinal dos bebês, ajudando a aumentar a imunidade e protegê-los de uma ampla gama de problemas de saúde, como obesidade, diabetes, problemas de fígado e doenças cardiovasculares”, disse Barile.
Um grupo de pesquisadores da universidade californiana, liderado pela cientista italiana, está obtendo do soro de leite permeado – um produto obtido por meio da remoção parcial da proteína do soro de leite – oligossacarídeos semelhantes aos do leite materno humano.
A ideia dos pesquisadores é adicioná-los a suplementos alimentares para restaurar o equilíbrio microbiano no trato digestivo e possibilitar aumentar a imunidade de pessoas com sistemas imunológicos comprometidos – como pacientes com HIV ou submetidos à quimioterapia –, além de adultos, idosos e bebês incapazes de receber leite materno.
Alguns dos resultados do estudo foram apresentados por Barile em palestra em uma sessão sobre alimentos e agricultura durante a FAPESP Week UC Davis in Brazil, realizada nos dias 12 e 13 de maio em São Paulo.
“A descoberta de oligossacarídeos no soro de leite permeado abre novas possibilidades de aplicação dessas moléculas alternativas, que imitam o mais próximo possível as características estruturais e funcionais dos oligossacarídeos do leite humano, em suplementos e produtos lácteos, com o intuito de diminuir os desequilíbrios microbianos no intestino de crianças e adultos”, avaliou Barile.
As vacas produzem oligossacarídeos estruturalmente semelhantes aos encontrados no leite materno. O problema é que a produção dessa molécula diminui após os primeiros dias de lactação do animal.
Na busca por outra fonte alternativa da molécula – uma vez que ainda é difícil sintetizá-la quimicamente para ser usada em grande escala –, o grupo de Barile desenvolveu técnicas para obter oligossacarídeos a partir do soro de leite permeado.
“O soro de leite é produzido em grandes quantidades no processo de fabricação do queijo e é difícil de ser eliminado pelos laticínios, porque não pode ser descartado na água e em sistemas de esgoto”, disse Barile.
Segundo ela, 100 litros de leite resultam na produção de 10 quilos de queijo e 90 litros de soro de leite, que contêm cerca de 50% dos nutrientes do leite. São produzidos cerca de 200 milhões de toneladas de soro de leite no mundo por ano, dos quais 3 milhões no Brasil.
Alguns dos produtos comercializados hoje a partir desse resíduo da indústria de laticínios por meio da recuperação das proteínas por processos de ultrafiltração são concentrados ou proteínas de soro de leite isoladas – conhecidas popularmente como whey proteins.
“Além desses produtos, que são altamente rentáveis, é possível obter desse produto o soro de leite permeado, que tem alto teor de lactose, mas é poluente e o custo para eliminá-lo é elevado”, afirmou Barile.
“A implementação de um processo de baixo custo para recuperação sistemática dos oligossacarídeos do soro de leite permeado permitiria às indústrias de laticínios agregar valor a esse subproduto e gerar ingredientes lácteos de alto valor no mercado”, avaliou.
Validação clínica
Os pesquisadores da universidade californiana estudam o desenvolvimento de processos combinando biotecnologia e engenharia industrial que possibilitem às indústrias de laticínios extrair grandes quantidades de oligossacarídeos de permeado de soro de leite.
Paralelamente, outros grupos de pesquisadores da instituição realizam estudos in vitro (com células epiteliais), além de em modelo animal e com humanos com os oligossacarídeos obtidos do soro de leite permeado em laboratório, para avaliar os efeitos prebiótico e de imunomodulação da molécula.
Por meio de um projeto apoiado pela Fundação Bill e Melinda Gates, um grupo de pesquisadores da universidade californiana também está avaliando como bactérias do intestino consomem oligossacarídeos.
Os resultados do estudo podem ajudar no desenvolvimento de substâncias que melhoram a imunidade de crianças não alimentadas com leite materno.
“O leite materno tem um papel importante na colonização microbiana inicial”, disse Barile. “Bebês alimentados somente com leite materno apresentam um menor número de bactérias intestinais potencialmente patogênicas, como enterococos, enterobactérias, clostridia e bacteroides. Já crianças alimentadas com fórmula infantil artificial apresentam um maior número dessas bactérias.”
Além da pesquisadora da UC Davis, participaram da sessão sobre alimentos e agricultura Bernadette Dora Gombossy de Melo Franco, professora da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (FCF-USP) e coordenadora do Centro de Pesquisa em Alimentos (ForRC) – um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) financiados pela FAPESP; Bennie Osburn, professor da Escola de Medicina Veterinária da University of California em Davis; e Luiz Antonio Martinelli, professor do Centro de Energia Nuclear em Agricultura (Cena) da USP.