Ausência de gene está ligada a disfunção na síntese proteica

Pesquisa do Instituto de Biociências (IB) da USP sugere que a ausência do gene que codifica a proteína colibistina (CB) tem relação com a disfunção da via de sinalização intracelular mTOR, responsável pela síntese de proteínas em células do sistema nervoso. De acordo com o trabalho da pesquisadora Camila de Oliveira Freitas Machado, o hiperfuncionamento da via mTOR e a produção aumentada de proteínas em células neurais pode estar relacionada com o quadro clínico de deficiência intelectual e autismo em pacientes com deleção no gene CB. A partir do estudo orientado pela bióloga Andrea Laurato Sertie, pesquisadora do Instituto de Ensino e Pesquisa (IIEP) do Hospital Israelita Albert Einstein, pretende-se agora estudar os efeitos dessa disfunção em células neurais, bem como se fármacos que modulam a via de sinalização mTOR podem reverter as anormalidades encontradas nas células neurais in vitro.

O ponto de partida da pesquisa foi a identificação de um paciente brasileiro com deficiência intelectual severa e autismo no quadro clínico que apresentava ausência (deleção) do gene que codifica a proteína CB, deleção esta identificada pela técnica de array CGH. “Na literatura científica há relatos da relação entre variantes genéticas (mutações) no gene da CB e a deficiência intelectual”, explica Andrea, que estudou o papel do gene na síntese de proteínas em células neurais durante o pós-doutorado no IB. “A atuação da proteína é muito conhecida em sinapses e no agrupamento de receptores de neurotransmissores inibitórios, mas seu papel na via mTOR e no controle de síntese de proteínas em neurônios era desconhecido”.

As pesquisadoras investigaram então se a deleção do gene CB alterava a síntese de proteínas devido a mudanças em uma importante via de sinalização intracelular, a via mTOR. “As células se comunicam com o meio ambiente por meio de receptores de membrana. Fatores de crescimento, hormônios e neurotransmissores se ligam aos receptores e desencadeiam cascatas ou vias de sinalização intracelular que fazem com que as células respondam as condições do meio extracelular”, diz a bióloga. “A via mTOR é uma dessas vias, controlando diversas funções, como proliferação, síntese de proteínas e autofagia. Porém, a relação entre a proteína CB, a via mTOR e o controle de síntese de proteínas não era conhecida”.

Para entender a relação entre a proteína CB e a via mTOR foi realizado um experimento que reproduzia o contexto do neurônio. “A partir de um pedaço de pele do paciente, foram extraídos fibroblastos, que então passaram por um processo de reprogramação e se tornaram células-tronco pluripotentes induzidas (células iPS), como capacidade de diferenciação para diversos tipos celulares”, relata Andrea. “As células iPS deram origem as células neuroprogenitoras e aos neurônios utilizados no estudo”.

Disfunção na síntese proteica
O mesmo experimento foi repetido com os fibroblastos de uma pessoa “normal” sem deficiência intelectual e autismo, que serviram como células-controle. “A comparação demonstrou que nas células do paciente a via mTOR era hiperativa, hiperfuncional, levando a um aumento na síntese de proteínas”, aponta a bióloga. “Ainda neste trabalho, por meio da superexpressão da CB em células em cultura verificou-se uma diminuição da atividade da mTOR e da síntese proteíca, que é o efeito contrário ao da ausência do gene”.

De acordo com a bióloga, a pesquisa sugere que a ausência do gene que codifica a proteína CB leva ao hiperfuncionamento da via mTOR e a síntese aumentada e proteínas em células neurais, e isto pode contribuir com o quadro de deficiência intelectual e autismo do paciente. Com base nos resultados do estudo serão pesquisados os tipos de disfunção neuronal e as características das células nervosas decorrentes das alterações da via mTOR.

“Também serão identificadas quais proteínas são sintetizadas de forma anormal”, planeja. A via mTOR pode ser regulada, inibida e ativada por meio de fármacos conhecidos, como o imunosupressor Rapamicina. “Novos estudos irão verificar se características celulares alteradas in vitro podem ser revertidos por meio dos fármacos que modulam essa via”.

A pesquisa de Camila é descrita em dissertação de mestrado apresentada no Departamento de Genética e Biologia Evolutiva do IB. Andrea, credenciada como orientadora pontual na pós-graduação do Departamento, atua como pesquisadora no IIEP do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, onde foi realizada a parte experimental do estudo. O trabalho teve a colaboração das professoras Maria Rita Passos-Bueno e Carla Rosenberg, do IB. O paciente estudado foi encaminhado pelo médico neurologista Fernando Koch, do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP). A pesquisa, descrita em artigo publicado no European Journal of Human Genetics, teve apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e da ONG Autismo e Realidade.