As mulheres são as mais afetadas pela infecção urinária.
Uma das infecções mais comuns, principalmente em mulheres, a infecção do trato urinário (ou infecção urinária) é associada à bactéria ‘Escherichia coli’ em cerca de 8 a cada 10 casos, segundo dados da Sociedade Brasileira de Urologia.
Mas as causas por trás desse problema de saúde são diversas, entre elas higiene inadequada, histórico familiar, gestação, infecção hospitalar, atividade sexual e doenças crônicas, como diabetes.
A infecção urinária pode afetar bexiga (quando ganha o nome de cistite), uretra (uretrite) ou rins (pielonefrite).
Entre os sintomas, o principal deles é a urgência urinária (dificuldade de controlar), mas muitos pacientes são assintomáticos.
As mais atingidas são as mulheres: estima-se que mais de 50% delas vão ter ao menos um episódio de infecção do trato urinário ao longo da vida.
Por isso, segundo o Instituto Nacional para Saúde e Cuidados de Excelência, da Inglaterra, elas devem ficar atentas ao histórico familiar, se a mãe costumava apresentar alguma infecção do tipo, e ao próprio histórico de saúde, como episódios dessa infecção na infância.
No Reino Unido, as infecções do trato urinário são a infecção hospitalar mais comum durante a internação ou após alta, representando 23% do total.
No Brasil, essas infecções correspondem a cerca de 35% a 45% das chamadas infecções relacionadas à assistência de saúde, quase sempre associadas ao uso de cateter (equipamento usado em até um quarto dos pacientes que precisam de hospitalização).
Essa infecção pode ser crônica ou aguda, e pode em casos mais raros e extremos até matar se não for tratada de forma adequada e evolua para uma doença renal crônica grave, insuficiência renal ou infecção generalizada, por exemplo.
Osvaldo Merege, presidente da Sociedade Brasileira de Nefrologia, explica à BBC News Brasil que é importante ficar atento em caso de recaída ou reincidência.
Ou seja, se o paciente teve uma infecção que não foi tratada adequadamente (como parar o antibiótico antes da hora) ou se teve duas ou três infecções em um ano. “No segundo caso, é aconselhável fazer uma profilaxia com antibiótico, com dose bem baixa, um quarto do que se prescreve normalmente.”
Segundo estudos, essa profilaxia contínua pode diminuir a recorrência de infecções em até 95%. Mas vale lembrar que o uso errado de antibióticos — seja em excesso, automedicação ou interrupção antes do tempo prescrito — é a causa mais importante na resistência de microrganismos, o que diminui as chances de tratamento e pode agravar o quadro.
Além disso, segundo o nefrologista, urinar após a relação sexual é muito importante para a prevenção, principalmente para as mulheres.
Mas por que essa infecção afeta mais as mulheres e pessoas mais velhas? Todas evoluem da mesma forma e recebem os mesmos tratamentos, mesmo com causas diferentes? Há outras formas de prevenção? Veja abaixo respostas para essas e outras dúvidas.
O que é a infecção do trato urinário (ITU) e quais são as principais causas?
Quando nos alimentamos, os nutrientes dos alimentos viram energia dentro corpo, e os componentes que não viram se tornam resíduos que ficam no intestino e sangue. O sistema urinário e renal ajudam a eliminar a ureia (resíduo líquido) e manter água, potássio e sódio. A ureia chega aos rins pela corrente sanguínea e é eliminada com água e outros resíduos pela urina.
Os tubos estreitos que ligam os rins à bexiga são os ureteres que transportam a urina dos rins para a bexiga. Para isso eles se contraem e relaxam sem parar fazendo a urina descer, fazem isso a cada 1 a 15 segundos, transportando pequenas quantidades de urina. Se ela ficar ali parada ou acabar voltando, pode acontecer uma infecção.
Estima-se que pelo menos 150 milhões de pessoas sejam afetadas por infecção do trato urinário todos os anos.
Ela ocorre quando, por exemplo, um agente infeccioso aparece na urina em uma quantidade maior que 100 mil unidades formadoras de colônias bacterianas por mililitro de urina. Assim está caracterizada a infecção do trato urinário (ITU), explica a Sociedade Brasileira de Nefrologia.
Como citado acima, ela pode afetar a bexiga (cistite), uretra (uretrite) ou rins (pielonefrite), geralmente ligada à bactéria Escherichia coli, que costuma viver no intestino e pode ser transportada para o canal da uretra, a bexiga e os rins de diversas maneiras.
Quais? Bem, uma das mais comuns é limpar de forma errada as partes íntimas após urinar ou defecar, fazendo o movimento de trás para frente e não de frente para trás.
Outra pode ocorrer durante o ato sexual, já que algumas bactérias da região genital ou anal podem entrar na uretra. Isso pode acontecer, por exemplo, quando o pênis é introduzido no ânus e depois na vagina sem higienização adequada.
Mas não só: esse tipo de infecção é mais comum em mulheres principalmente por causa anatomia feminina: a uretra da mulher é mais curta e mais próxima do ânus, o que favorece a incidência desse tipo de doença.
De acordo com o Ministério da Saúde do Brasil, no entanto, o crescimento da próstata, relacionado ao avanço da idade dos homens, pode obstruir a uretra e contribuir para retenção de urina na bexiga, levando a uma cistite.
Há também a possibilidade de a bactéria pode chegar à bexiga e aos rins subindo uretra ou por meio da corrente sanguínea, no caso de pessoas imunossuprimidas, além também do uso de cateter na bexiga e em alguns tipos de cirurgia.
“Infecção urinária na mulher geralmente é ascendente. Ou seja, primeiro infecta a uretra, bexiga e depois pode subir, ascender em direção aos rins. No homem, geralmente é uma infecção por via sanguínea, hematogênica, não por via ascendente de um modo geral”, explica José Carlos Truzzi, especialista em Urologia pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Ele explica que a infecção do trato urinário, diferentemente de doenças como sífilis, não é uma infecção sexualmente transmissível (IST).
“Elas são causadas por bactérias da própria pessoa. Pode até ter sido facilitada pela relação sexual, mas ela não é transmitida pelo ato sexual. Geralmente, são bactérias intestinais que acabam tendo como característica uma afinidade pelo trato urinário. E quando elas conseguem chegar ao trato urinário, elas acabam causando uma infecção.”
Merege, da Sociedade Brasileira de Nefrologia, lembra que outro elemento que favorece bastante a ocorrência desse tipo de infecção é a presença de corpos estranhos, como cálculos e sondas. “Mas muitas mulheres, principalmente as mais jovens, têm infecção urinária sem ter uma causa aparente.”
O período gestacional também contribui para a incidência, por causa das alterações ocorridas no corpo da mulher. Segundo especialistas, durante a gestação pode haver aumento de bactérias nessa região, uma alteração da flora vaginal.
Após o primeiro episódio de infecção do trato urinário, cerca de 24% das mulheres jovens passarão por uma recidiva em até 6 meses, e em torno de 3% terão infecções recorrentes.
O aumento da idade amplia a predominância, por exemplo, mulheres acima dos 65 anos de idade, no período pós-menopausa, podem apresentar o dobro da incidência observada em mulheres mais novas.
“Isso porque há uma privação hormonal, uma diminuição da produção do hormônio feminino estrógeno, que ajuda a manter as características do bom funcionamento da função vaginal e consequentemente diminui a chance das bactérias se desenvolverem ali. Com a retirada ou privação desse hormônio, a pessoa se torna mais suscetível, e essas bactérias têm mais chances de se desenvolver numa infecção urinária”, afirma Truzzi, da Unifesp.
Segundo ele, o envelhecimento em si também é um fator porque existe uma resposta imunológica “muitas vezes mais limitada, além de alterações estruturais do próprio trato urinário, que podem de algum modo facilitar a ocorrência dessas infecções”.
Quais são os principais sintomas?
Como dito acima, há uma série de sintomas associados à infecção urinária, mas o mais comum deles é a urgência urinária, uma irritação e contração das paredes da bexiga.
Segundo o Sistema de Saúde Britânico (NHS, na sigla em inglês), essa infecção também pode apresentar sintomas como disúria, que é a dor ou sensação de queimação ao urinar, e a noctúria, que é a necessidade de urinar mais do que o habitual durante a noite.
Há também outros possíveis sinais, como dor na parte inferior na bexiga, alteração da cor e do odor da urina, febre, sensação de calor, calafrios, dor na região inferior da barriga ou nas costas, sangue na urina (em casos mais graves) e quantidade reduzida de urina a cada ida ao banheiro.
Mas nem sempre a infecção urinária é acompanha de sintomas. Pacientes com diabetes, por exemplo, podem não apresentar qualquer sinal de infecção.
Há variações também a depender da idade. Segundo o NHS, crianças podem se sentir indispostas, urinar na cama à noite, e bebês podem ficar um pouco incomodados e irritadiços. Ambas as faixas etárias podem apresentar apetite reduzido e fraqueza.
Mulheres em pós-menopausa e idosas podem apresentar incontinência urinária (perda involuntária de urina), vaginite atrófica (atrofia vaginal) e cistocele (bexiga baixa). Pessoas idosas podem ainda apresentar mudanças de comportamento, como agitação e confusão.
Merege, da Sociedade Brasileira de Nefrologia, explica que mulheres com idade avançada podem enfrentar um quadro de “bacteriúria assintomática”, ou seja, a bactéria fica na urina, levará a um resultado positivo em um exame de cultura, mas o paciente não sente nada nem tem sintomas, exceto pelo odor desagradável na urina.
“Isso está muito relacionado com o termo popular ‘bexiga caída’. Às vezes com a idade, a bexiga da mulher pode cair e mudar o ângulo da uretra. Ela passa a ter algo que chamamos de incontinência urinária de esforço. A incontinência urinária é perder urina, mas nesse caso não se perde toda hora, mas quando tosse, espirra, carrega peso e faz algum esforço maior. Ela não consegue segurar e perde, mas só um pouco e ela volta. Sempre tem um refluxo e a vagina da mulher acaba contaminada.”
Quais são os possíveis tratamentos?
Como ocorre em relação a outras doenças, o mais recomendado e importante é que um paciente com os sintomas listados acima seja avaliado por um profissional de saúde especializado.
Tomar remédios sem acompanhamento de um médico ou de outros profissionais, como farmacêuticos e enfermeiros, traz riscos graves e pode piorar o quadro.
Em linhas gerais, a probabilidade de cura de uma infecção do trato urinário é grande, afirma o Ministério da Saúde brasileiro.
Merege, da Sociedade Brasileira de Nefrologia, explica que em geral o tratamento é feito com uso de antibiótico, que deve ser tomado exatamente pelo tempo prescrito pelo médico — caso contrário, as bactérias podem persistir no corpo.
Mas o tratamento será definido a depender do grau em que a infecção está. Em alguns casos mais leves, por exemplo, o próprio sistema imunológico do corpo humano é capaz de combater sozinho a bactéria invasora.
É possível que o antibiótico não funcione em algumas mulheres ou até mesmo que a bactéria não seja detectada em exames.
Nesse caso, é preciso investigar a existência de infecção da bexiga a longo prazo. Infecções crônicas podem estar relacionadas a maior risco de câncer de bexiga se o paciente tiver mais de 60 anos.
Uma possibilidade de tratamento para as mulheres que passaram pela menopausa, de acordo com o NHS, é o uso de cremes de estrogênio vaginal.
Além disso, a abordagem pode ser ampliada a depender das causas envolvidas com a infecção do trato urinário. “Por exemplo, se existe um cálculo obstruindo a via urinária, uma pedra no ureter, canal que liga a bexiga ao rim, se administra o antibiótico para a infecção, mas também precisa desobstruir o canal”, diz Merege.
Por ser uma infecção comum nas mulheres, existe uma apreensão com a prescrição de antimicrobianos por causa da redução da suscetibilidade bacteriana (em razão do excesso de antibiótico).
É possível prevenir a infecção do trato urinário?
Além da higiene adequada, do uso profilático de antibióticos e dos cuidados na atividade sexual citados acima, o Ministério da Saúde brasileiro afirma ser importante ingerir bastante água, urinar com frequência (evitando segurar a urina na bexiga) e evitar o consumo de substâncias que possam irritar o trato urinário, como cafeína, algumas especiarias, tabaco e álcool.
O Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA (CDC) recomenda urinar após o sexo, pois ao fazê-lo bactérias podem ser eliminadas. Mas ainda não existe consenso entre os especialistas sobre isso.
Truzzi, da Unifesp, explica em alguns casos pode ser recomendada a ingestão de cranberry em suco, cápsula, pó ou a própria fruta. “Para a bactéria causar infecção, ela precisa aderir à parede da bexiga, caso contrário ela fica boiando na urina. Quando adere, colonizará aquela região e, por consequência, vai causar a infecção. O problema é que nem todo mundo responde tão bem ao uso do cranberry.”
É importante deixar claro que a cranberry não funciona na fase aguda, quando a infecção está instalada. Ou seja, pode funcionar como prevenção para pessoas que costumam ter infecção recorrente do trato urinário (três ou mais infecções por ano), mas não como tratamento. De toda forma, ainda não há consenso científico sobre a eficácia preventiva da cranberry.
Recomenda-se também às mulheres que estejam menstruadas que troquem o absorvente higiênico mais vezes, além de evitar roupas mais justas, pois elas podem segurar calor e umidade, contribuindo para a proliferação de bactérias.
Mulheres grávidas, por sua vez, precisam rastrear bactéria na urina ao menos duas vezes durante os 9 meses, mesmo sem sintomas. Em geral, os profissionais de saúde solicitam um exame com cultura de urina em grávidas, em quem tem infecção do trato urinário recorrente (três vezes ou mais por ano) ou suspeita de pielonefrite (infecção renal), e em casos atípicos.
Merege, da Sociedade Brasileira de Nefrologia, lembra também da importância de exames de imagem em meninos mais novos com infecção urinária por causa da possibilidade de malformação da válvula de uretra posterior. Esse quadro pode levar a uma obstrução da uretra, com urina mais ou menos “parada”, favorecendo a infecção.
“Este pode ser um fator de insuficiência renal caso progrida sem o tratamento adequado, e pode chegar a precisar de hemodiálise.”