Um país desenvolvido tem cidadãos saudáveis e sistema de atendimento à saúde organizado e em funcionamento. Há economias dinâmicas, com crescimento e participação no comércio internacional que não podem ser classificadas como desenvolvidas. Sofrem com exclusão, desigualdade, pobreza e organização social rígida e estratificada.
O movimento de democratização do Brasil colocou na Constituição de 1988 um conjunto de direitos sociais, inserindo a saúde como dever do Estado e direito do cidadão. Do ponto de vista social, o país avança com a inclusão e a redução da desigualdade, apesar do passado colonial e escravista ainda enraizado na sociedade.
Na economia, dois complexos de atividades produtivas alavancaram com a articulação entre o Estado e a iniciativa privada: o industrial-militar e o da saúde. Áreas que representam os maiores gastos de pesquisa e desenvolvimento do mundo, compondo segmentos produtivos estratégicos que estão na base do potencial econômico e político dos Estados líderes na economia mundial.
O Fórum Global para a Pesquisa em Saúde revelou, em 2006, que a saúde responde por 20% da despesa mundial, pública e privada, e que as atividades de pesquisa e desenvolvimento tecnológico representam US$ 135 bilhões. Dado revelador do papel central da saúde na sociedade do conhecimento e o caráter excludente da globalização: países de média e baixa renda respondem por apenas 3% desse total, com participação concentrada em atividades de menor densidade tecnológica e potencial econômico. Eis o descompasso entre as necessidades de saúde dos países menos desenvolvidos e a base econômica e de inovação mundial.
A saúde deve ser compreendida a partir da dimensão de política social e fonte de riqueza. A produção configura um complexo econômico-industrial com vínculo entre segmentos industriais de alto dinamismo e prestação de serviços assistenciais. Esse complexo incorpora os novos paradigmas tecnológicos determinantes do dinamismo das economias, como fármacos, biotecnologia, eletrônica, nanotecnologia e outros, articulados com a prestação de serviços e que requerem conhecimentos qualificados.
Praticamente todos os segmentos compreendidos na terceira revolução tecnológica, fundamentais ao Brasil do futuro, têm na saúde espaço crítico para seu desenvolvimento. O entendimento dessas atividades como ônus ao orçamento público é cego. O segmento contribui para cidadania, investimentos, inovações, renda, emprego e receitas ao Estado. A cadeia produtiva representa entre 7% e 8% do PIB (R$ 160 bilhões). Emprega, com trabalho formal, 10% da população e é a área em que os investimentos públicos com pesquisa e desenvolvimento são os mais expressivos no país.
O mercado farmacêutico brasileiro movimenta R$ 22 bilhões, equipamentos médico-hospitalares, R$ 6 bilhões, e vacinas, reagentes e hemoderivados, R$ 3 bilhões. São indústrias que geram 300 mil empregos diretos. Na prestação de serviços, 77 mil estabelecimentos de saúde empregam 1,6 milhão de pessoas (mais da metade com nível superior e alta qualificação). Por ano, o SUS realiza 2,8 mil transplantes renais, 215 mil cirurgias cardíacas e 9 milhões de procedimentos de rádio e quimioterapia, refletindo capacitação do sistema que se destaca entre países com grau semelhante de desenvolvimento.
Há, porém, enorme fragilidade econômica e tecnológica. As indústrias perderam competitividade internacional ao longo da década de 90. O déficit acumulado cresceu de US$ 700 milhões ao ano, no final dos anos 80, para US$ 4 bilhões, sendo 60% concentrados na área farmacêutica. Um país desenvolvido requer base produtiva forte para atender a inclusão social e atenuar as desigualdades.
O Brasil apresenta grande possibilidade de superação dessa vulnerabilidade. Nossa base produtiva, ciência, recursos humanos qualificados e sistema de saúde universal conferem ao Estado elevado poder de compra de bens industriais, com financiamento de longo prazo pelo BNDES. Fatores singulares na realidade latino-americana. Significa que a saúde é frente de expansão e janela de oportunidades ao padrão de desenvolvimento humanizado, equânime e solidário.
Este artigo foi publicado no jornal Folha de S. Paulo, em 27 de maio de 2007