A insustentabilidade ambiental em debate no Centro de Estudos da ENSP/Fiocruz

Governança global do desenvolvimento, governança ambiental global, suas consequências, projeções e previsões. Esses foram os temas norteadores da palestra Desgovernança e sustentabilidade, proferida por José Eli da Veiga, professor dos programas de pós-graduação do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (IRI/USP) e do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPE). As questões foram discutidas durante a segunda sessão do Centro de Estudos da ENSP (Ceensp) em 2013. O palestrante informou que, desde o seu surgimento, a governança global do desenvolvimento e a governança ambiental global caminham separadamente. E isso, alerta José Eli, gera uma desgovernança sobre o campo.

O tema da palestra Desgovernança e sustentabilidade também é o título novo livro de José Eli, que deverá ser lançado em maio. De acordo com o autor, o livro terá basicamente quatro capítulos e outros complementos para elucidação dos leitores.

Segundo José Eli  – que é especialista em desenvolvimento sustentável, meio ambiente, sustentabilidade, desenvolvimento e agricultura  –, foi na ocasião da Rio 92, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, que o mundo assumiu a ideia de desenvolvimento sustentável. Antes desse período, observou ele, não existia nenhum tipo de governança do desenvolvimento sustentável. “Existe estrutura global para governança e desenvolvimento, mas ela sempre foi distante da governança que se montou para fazer a governança da questão ambiental. E, até hoje, elas têm pouquíssima aproximação”, afirmou o professor.

Para ele, existe governança global para o desenvolvimento há pelo menos 70 anos, comprovadamente em papeis e documentos internacionais. No entanto, essa questão só veio à tona após a Segunda Guerra Mundial, principalmente com a criação dos acordos de Bretton Woods, conhecido como o primeiro exemplo mundial de uma ordem monetária totalmente negociada para o gerenciamento econômico internacional. “Bretton Woods estabeleceu a arquitetura institucional que permitiu ao mundo ter a melhor fase da história da humanidade em termos de desenvolvimento, pois o seu desenvolvimento econômico foi altamente abrangente”, relatou o palestrante. Entre outras inovações, esses acordos deram origem ao Banco Mundial, ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e, mais recentemente, a Organização Mundial do Comércio (OMC).

Na década de 1970, essa arquitetura ruiu, contou Eli. O mundo passou por um grande período de dificuldade de governança até que começaram a surgir iniciativas como o G-7, que depois se tornou G-8 e, em seguida, G-20. “Hoje, essa é a principal arena de governança ambiental global”, disse. Para José Eli, o G-20 tem, historicamente, uma importância equivalente aos acordos de Bretton Woods.

Resistência mundial contra a criação de taxa de tributação

“Um dos grandes problemas atuais é o consenso do combate à pobreza como uma prioridade”, disse José Eli. Segundo ele, diferentemente do consenso que há nas grandes agências e organizações, como a ONU, combater a pobreza não necessariamente significa reduzir as desigualdades. Para o palestrante, elas são brutais no mundo e estão cada vez mais altas. “Várias razões, algumas inclusive na área científica, mostram que o mundo já deveria estar criando um sistema tributário. Porém, no plano internacional, até o momento, houve muita resistência a qualquer proposta de tributação. Tais recursos seriam usados nesses programas de combate à pobreza, à desigualdade etc. E a tributação teria um duplo efeito, pois, além de arrecadar recursos para esses projetos, reduziria a volatilidade do mercado financeiro”, defendeu José Eli.

Governança ambiental global

A governança ambiental global existe há cerca de 40 anos. Sua primeira manifestação ocorreu na Conferência de Estocolmo, cujo principal resultado em termos de governança global foi o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). Apesar de inúmeras dificuldades, observou José Eli, o Pnuma fez coisas extraordinárias, como a questão da camada de ozônio, foco de um protocolo mundial para a redução de CFCs. “Hoje, comparo o processo para se chegar à solução do ozônio com o da questão das mudanças climáticas. Em rigor, a ideia das convenções assinadas na Rio 92, entre elas a do clima e a da biodiversidade, era seguir o exemplo do que foi conseguido com o processo do ozônio. Mas, infelizmente, são completamente contrastantes.”

O tripé da insustentabilidade

José Eli mostrou ainda o desenho do tripé da insustentabilidade formado pelo ciclo do nitrogênio, perda de biodiversidade e mudanças climáticas. Esses pontos, explicou, compõem o trio das fronteiras já ultrapassadas pelo desenvolvimento humano e são relativos à concentração de carbono na atmosfera. “O imenso volume de nitrogênio utilizado para a fertilização química da agricultura e dos solos remete aos cursos d’água e acaba criando ‘zonas mortas’ nos ambientes marítimos e oceânicos. Pelo excesso de nitrogênio, ocorre uma espécie de eutrofização, que é o fenômeno causado pelo excesso de nutrientes. Outra consequência desse uso desmedido contribui para o aquecimento global e a erosão da biodiversidade.”

Os estudiosos do tema, acrescentou o palestrante, trabalham com faixas probabilísticas, mas ninguém sabe ao certo qual é a nossa biocapacidade, onde podemos chegar ou o que pode acontecer em termos de déficit ecológico. “Sabe-se que já temos um déficit de 50%. Se tudo continuar nesse ritmo, pelas previsões dos especialistas, em 2015 esse valor estará em 85% e, em 2050, chegará a quase 200%. Para nós, a principal questão será lidar com o aumento dos eventos extremos, consequência principal do aquecimento global, como enchentes, tornados, furacões e outros. Isso atinge diretamente a população e a opinião pública”, concluiu José Eli.

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