Cerca de 20% dos brasileiros já vacinados receberam a vacina contra a Covid-19 fora de seu município de residência. Um novo estudo da Fiocruz mostra que esse fluxo expressivo de pessoas que se deslocaram para se vacinar fora de seu município pode criar problemas para o plano de vacinação contra a Covid-19 em capitais e outras metrópoles que funcionam como polos regionais de saúde, principalmente quando não há estratégias compartilhadas entre as próprias prefeituras (e também com os estados), para implementar o Plano Nacional de Imunização contra o coronavírus.
A conclusão está na nota técnica Deslocamento da população em busca da vacina – 2, estudo realizado pelo projeto Monitora Covid-19, do Instituto de Comunicação e Informação em Saúde (Icict/Fiocruz). A pesquisa atualiza dados de outra nota técnica sobre o mesmo tema, lançada em julho. Desta vez, foram usados registros até 20 de setembro de 2021 do site OpenDataSUS e do Sistema de Informações do PNI (SI-PNI), que reúne os dados de vacinação de outros sistemas, como o e-SUS AB, a Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS) e sistemas próprios de registros criados pelas secretarias de saúde.
O estudo mostra que o município mais afetado pelo deslocamento da população em busca da vacina é o de São Paulo. Em uma lista selecionada de cidades que aplicaram a vacina em grupos superiores a 50 mil pessoas de outros municípios, a capital paulista já havia vacinado 677,8 mil moradores de seis cidades vizinhas – Guarulhos (235.240), Osasco (106.502), Santo André (99.540), Diadema (84.992), Taboão da Serra (80.296) e São Bernardo do Campo (71.255). Esse volume representa o equivalente a cerca de 5,5% da população paulistana, estimada pelo IBGE em 12,33 milhões para 2020.
Deslocamento em regiões metropolitanas
No recorte do estudo sobre a capital paulista, chamam atenção os casos de Taboão da Serra e Diadema. Em Taboão, pequeno município com menos de 300 mil habitantes, um em cada quatro moradores (27% de sua população) foi se vacinar na cidade de São Paulo. No caso de Diadema, com cerca de 430 mil habitantes, um em cada cinco (20%) residentes procuraram a vacina na capital paulista.
Por outro lado, cerca de 210 mil moradores do município de São Paulo (quase 2% da população) se deslocaram para serem vacinados em três diferentes cidades: Guarulhos (92.317) e Osasco (63.052), ambas limítrofes à capital paulista, e Praia Grande (54.664), que fica na Baixada Santista, a 572 quilômetros de distância e com uma população estimada em 331 mil habitantes. O número de paulistanos que Praia Grande teve que vacinar equivale a 17% de toda a população local.
Situações semelhantes foram encontradas em outras capitais e grandes centros. Destaca-se o caso do município do Rio de Janeiro, bastante similar à capital paulista. Na mesma lista de cidades que aplicaram doses de imunizantes em grupos superiores a 50 mil pessoas de outros municípios, o Rio vacinou quase 389 mil pessoas – equivalente a 5,8% de sua população – que vieram das quatro cidades mais populosas da Baixada Fluminense: Duque de Caxias (137.420), São João de Meriti (99.754), Nova Iguaçu (90.128) e Belford Roxo (61.694). No caso de São João de Meriti, que tem uma população de cerca de 475 mil habitantes, o estudo mostra que 21% de seus habitantes (um quinto do total) foram se vacinar no Rio de Janeiro. No sentido inverso, 2% da população residente no município do Rio foi se vacinar em Nova Iguaçu (69.621) e em Duque de Caxias (62.709).
Sobrecarga
Outros cidades que receberam número expressivo de moradores de fora para se vacinar foram: Recife (PE), que vacinou 93 mil moradores de Jaboatão de Guararapes e quase 80 mil de Olinda; Niterói (RJ), que aplicou a vacina em 90,6 mil moradores de São Gonçalo; Belo Horizonte (MG), que injetou doses em quase 85 mil habitantes de Contagem e 56 mil de Ribeirão das Neves; Aparecida de Goiânia (GO), que vacinou 81 mil moradores da capital Goiânia; Belém (PA), que recebeu 74 mil moradores de Ananindeua; Vitória (ES), que vacinou 54 mil oriundos de Vila Velha; e Águas Lindas de Goiás (GO), com menos de 220 mil habitantes, responsável pela vacinação de 53,5 mil moradores de Brasília (DF).
“Os percentuais de doses aplicadas fora do município de residência oscilam de 11% a 25%, o que revela discordâncias importantes nos processos de vacinação em aplicar as doses de imunizantes no município de residência e a falta de homogeneidade entre os critérios usados para a vacinação de grupos específicos”, diz a nota técnica em sua conclusão, acrescentando: “A vacinação é um procedimento de baixa complexidade e que deve ser realizado na atenção básica de saúde, sendo dispensável o deslocamento de pessoas em busca da vacina. Longos deslocamentos devem ser evitados, bem como a sobrecarga de alguns municípios que vêm sendo procurados por anteciparem o calendário por idade, ou adotarem critérios próprios para a priorização de grupos vulneráveis. O contexto de regiões metropolitanas é particularmente preocupante, já que há uma relativa facilidade de deslocamento entre municípios próximos e a notícia de oferta de doses em uma determinada cidade pode gerar um fluxo extra de pessoas, o que pode comprometer as metas de cobertura e causar interrupção momentânea da atividade de vacinação”.
O estudo da Fiocruz diz ainda que “a escassez de doses no início do processo de vacinação e os diferentes calendários vacinais e grupos prioritários entre os estados e municípios podem, parcialmente, explicar essa procura por doses em outras cidades. Contudo, observa-se uma tendência preocupante de crescimento dessa procura no mês de maio. Essa tendência se agravou nos meses seguintes à medida que ocorreu a antecipação de faixas etárias e criaram-se divergências ainda maiores nos calendários de vacinação, antecipando grupos populacionais e eventualmente trazendo risco para aplicação de segundas doses”.