Diante da impossibilidade de eliminação do mosquito vetor da dengue — em especial por conta do grande fluxo de pessoas mundialmente — e num momento em que as pesquisas exigiam a produção em massa de mosquitos para serem testadas novas tecnologias, surgiu o Laboratório de Mosquitos Geneticamente Modificados do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP.
Coordenado pela professora Margareth Capurro, o grupo tem na cidade de Juazeiro (BA) sua área de atuação, constituindo-se em um dos Laboratórios de Campo do ICB. A pesquisa que visava controlar a transmissão da doença por meio da supressão da população de mosquitos necessitava sair do laboratório e ir a campo para testar a sua viabilidade e eficácia.
Ao sair da universidade, no entanto, altera-se a escala com a qual se trabalha e a produção de mosquitos passa a ser executada por uma biofábrica. Esse foi o principal motivo pelo qual o laboratório se instalou em Juazeiro, onde fica a empresa Moscamed Brasil, especializada na produção de moscas-da-fruta estéreis. Como a empresa trabalhava com a estratégia de supressão da população de insetos por intermédio de machos, aplicar o mecanismo para o mosquito da dengue foi mais fácil.
Outros passos
A linhagem de mosquito desenvolvida em Juazeiro foi o primeiro projeto de mosquito transgênico levado e testado em campo. O mosquito desenvolvido, ao contrário da mosca-da-fruta produzida na biofábrica, não é estéril, mas a sua modificação genética faz com que sua prole não se desenvolva.
A professora entende este como um resultado importante, mas que, apesar disso, ainda não se trata do melhor produto para ser utilizado. Uma vez que metade da produção da biofábrica é de fêmeas, que não participam do experimento, existe um desperdício. Para que a produção seja otimizada, o laboratório analisa agora qual o melhor produto que a ciência teria a oferecer para programas de controle. Entre as possibilidades está a reversão sexual dos mosquitos transgênicos. Neste caso, toda a população do inseto seria formada por machos.
Por possuir três vértices — o homem, o vírus e o mosquito — a dengue pode ser combatida em qualquer dessas frentes. Como a eliminação do mosquito mostra-se inviável, o laboratório foi forçado a procurar meios de atacar a doença por meio do vírus. A supressão da população de mosquitos seria um primeiro passo, seguida de uma modificação genética. Por meio dela, o laboratório eliminaria o vírus dentro do mosquito. Essa etapa, entretanto, ainda se encontra em fase totalmente laboratorial.
O trabalho em campo
Para avaliar a supressão da população de mosquitos, o projeto liberou os exemplares geneticamente modificados em uma área, a ‘área tratada’, enquanto outra localidade, a ‘área controle’, serviu de parâmetro. As duas regiões, assim, estariam sujeitas às mesmas condições: retirada de criadouros, utilização de inseticidas e visitas dos agentes. Onde, porém, houve a introdução do mosquito modificado, a população do vetor apresentou maior queda.
Apesar do sucesso no controle populacional, Margareth entende que a técnica deve ser utilizada como uma ação complementar. “O controle será mais efetivo se, além desta tecnologia, houver melhorias gerais na vida da população”, ressalta.
A professora explica que quando se produz em larga escala, é preciso trabalhar com um produto que já apresenta algum potencial. Neste caso específico, inúmeros experimentos já haviam demonstrado que a linhagem testada estava pronta. Mas em pesquisas desse gênero, existe sempre a necessidade de se realizarem testes preliminares, pois o comportamento do mosquito no ambiente pode ser diferente daquele no laboratório. Para isso, existe um protocolo em que a superação de cada etapa aponta para o sucesso do projeto.
Margareth comenta que por mais que um projeto seja promissor, nem sempre ele está pronto para ir para indústria. “É preciso sair do laboratório e direcionar os resultados para verificar se, de fato, aquele projeto se tornou um produto.” Com o custo do projeto até o momento estimado em cerca de cinco milhões de reais, a produção do laboratório na biofábrica é financiada pela Secretaria da Saúde do Estado da Bahia.
De Juazeiro para o mundo
Referência mundial no assunto, o Laboratório do ICB tem recebido delegações internacionais para conhecer o projeto. A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), ligada às Nações Unidas, é a maior financiadora da ideia de se utilizar insetos estéreis para controle de suas populações, e incentiva a realização de encontros sobre o tema em Juazeiro. A ideia é que estas reuniões, com participação do Laboratório, permitam que pesquisadores de todo o mundo entrem em contato com a produção da biofábrica.