Órfãos em decorrência da aids têm medo da discriminação

O s impactos da orfandade decorrente da aids na vida de jovens e os estigmas sofridos por eles foi tema de um estudo realizado na Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP. Apesar de contarem com apoio da família após a perda dos pais e alguns não se sentirem órfãos, os jovens têm dificuldades de falar sobre a doença por medo de sofrerem discriminação de seus grupos de convívio.

 Apoio da família é fundamental para que os jovens sejam mais bem aceitos na sociedadeA pesquisadora Andrea Paula Ferrara, integrante do Núcleo de Estudos para a Prevenção da aids (Nepaids) da USP e do Grupo de Incentivo à Vida (GIV), em sua dissertação de mestrado — Orfandade e estigma: vivências de jovens órfãos em decorrência da aids — orientada pelo professor Ivan França Junior, da FSP, mostra que apenas 5 dos 19 jovens entre 15 e 24 anos entrevistados mencionaram, no início das entrevistas, a aids como forma de adoecimento dos pais. Os outros 14 jovens só conseguiram citar a doença no decorrer da entrevista.

Para Andrea, “grande parte dessa omissão de informação deve-se ao medo que eles têm de sofrerem preconceito em seu círculo. Tentamos entrevistar mais de 19 jovens e muitos marcavam e não compareciam. Essa recusa implícita de falar sobre o assunto é devido, provavelmente, ao medo da estigmatização e por ser um tema difícil para eles, por estar relacionado a morte dos pais.”

Jovens “marcados”
Todos os relatos dos jovens ouvidos pela pesquisadora são caracterizados como estigma de associação, pois os entrevistados, tanto os soropositivos quanto os soronegativos, ficaram “marcados” psicologicamente por seus pais terem morrido de aids. Segundo dados da pesquisa, grande parte do problema de estigmatização é derivado do medo de sofrer discriminação após contar o motivo da morte dos pais e também pela vivência real do preconceito. “A preocupação é grande em relação ao conhecimento desse fato por amigos, namorados e conhecidos, pois os jovens têm medo da possibilidade de exclusão de seus grupos de convívio e do preconceito que viria após o questionamento em relação a ele [jovem] ser ou não soropositivo”, diz a pesquisadora.

Além dos impactos da orfandade em decorrência da aids na vida dos jovens, Andrea estudou também os significados de ser órfão nesses casos e constatou que estão relacionados a sentimentos ligados à família e à morte. Segundo ela, “entre os sentimentos mais comuns observados nesses jovens estão a dificuldade de falar sobre a orfandade ligada à aids, a tristeza pela morte dos pais e pela falta do cuidado materno”.

Apesar disso, um dos fatores que auxilia esses jovens órfãos é o apoio da família após a perda. “Ao contrário do que as agências internacionais acreditam, o jovem é inserido na família, principalmente materna, após a morte dos pais. Por esse motivo, ressaltam que não se sentem órfãos, já que família aqui tem um significado maior do que o tradicional, que engloba apenas pais e filhos”, diz Andrea.

A pesquisadora ressalta que um dos maiores problemas observados no decorrer da pesquisa foi a debilidade de registros dos filhos de pais portadores de HIV. “Não há acompanhamento dos órfãos pelo serviço saúde, principalmente quando os jovens são soronegativos. É fundamental que o jovem tenha respaldo da família e de políticas públicas para conseguir superar a perda dos pais. Um dos entrevistados disse uma frase da qual gosto muito e pode ilustrar a situação desses jovens: ‘a vitória de um órfão é a mesma coisa que um cego vencer as olimpíadas, bater um recorde’. Ele não deve buscar essa ‘vitória’ sozinho, mas com ajuda de seu círculo afetivo, com respaldo social e de políticas pública efetivas”, completa Andrea.

Mais informações: email andreapf@usp.br; com a pesquisadora Andrea Paula Ferrara

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