Fontes potenciais para transmissão de microrganismos que causam doenças em humanos, os morcegos são também hospedeiros de coronavírus, alerta um novo estudo. O trabalho identificou a presença desse tipo de vírus no morcego-vampiro (Desmodus rotundus).
Coronavírus são vírus de tamanho grande, que podem causar problemas intestinais, respiratórios e até mesmo cerebrais, infectando mamíferos e aves. Em humanos, representam uma entre as diversas espécies de vírus que causam resfriados comuns. Tornaram-se mais conhecidos em 2003, quando um vírus do tipo foi estabelecido como causador da síndrome respiratória aguda severa (Sars).
Pesquisas no campo da evolução molecular dos coronavírus indicam que os morcegos foram os hospedeiros nos quais essa espécie viral surgiu pela primeira vez.
No caso dos morcegos hematófagos, chamados de vampiros, esses só habitam a América Latina, sendo que as pesquisas em coronavírus nesses animais estão ainda no início. Pode-se esperar que a continuidade das investigações científicas levará a descobertas surpreendentes sobre os coronavírus em morcegos vampiros, disse Paulo Eduardo Brandão, professor do Departamento de Medicina Veterinária Preventiva e Saúde Animal da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (USP) e um dos autores do estudo, à Agência FAPESP.
Ainda não há resultados sobre o tipo de doença que o novo coronavírus isolado em morcegos possa causar em outras espécies de animais. Segundo Brandão, até o momento se sabe, baseado na pequena parte do genoma desse vírus já estudada, que ele está próximo a outros coronavírus como os dos bovinos e do resfriado humano, mas um pouco distante do coronavírus da Sars.
Ainda que não tenhamos dados sobre doenças que possam causar em animais, incluindo o homem, é bastante provável que ele seja não patogênico para os morcegos, uma vez que os morcegos são hospedeiros sadios para os outros coronavírus deles isolados, disse o epidemiologista que coordena dois projetos de Auxílio a Pesquisa Regular apoiados pela FAPESP.
O estudo foi realizado com alguns exemplares do morcego-vampiro e também com alguns morcegos insetívoros, com a colaboração do Instituto Pasteur de São Paulo na recepção e identificação das espécies.
De acordo com Brandão, que integra o Coronavirus Research Group, grupo de pesquisadores de diversos países, durante análise realizada em morcegos em laboratórios foram colhidos fragmentos de órgãos como pulmões e fígado e de material presente no interior dos intestinos.
Dessas amostras, o material genético foi purificado quimicamente e utilizamos uma técnica chamada de reação em cadeia da polimerase para amplificar um fragmento do genoma dos coronavírus, o qual foi então submetido a sequenciamento, explicou. Os resultados identificaram o vírus no morcego vampiro, classificado no grupo 2 do gênero coronavírus.
Mais pesquisas
Segundo o professor da USP, no momento o grupo está tentando isolar o vírus in vitro em cultivos de células, de modo a determinar o restante de sua sequência genômica.
Isso para que se possa predizer com maior exatidão quem é esse coronavírus em termos evolutivos e qual seu papel na geração de doenças, além de testar um número maior de amostras de diversas espécies de morcegos, disse.
Os morcegos são fontes de infecção para várias doenças transmissíveis aos seres humanos. A mais importante delas é a raiva. Outra é a histoplasmose, uma doença fúngica transmitida por morcegos dentro de cavernas e abrigos similares, disse Brandão.
Mas, como morcegos insetívoros foram demonstrados como sendo portadores originais do vírus da Sars, ficou claro que os coronavírus, tantos os conhecidos como aqueles ainda por descobrir, devem ser adicionados a essa crescente lista de patógenos, ressaltou.
O pesquisador destaca ainda que, dada a importância mundialmente reconhecida das doenças causadas por coronavírus, é fundamental que pesquisas nessa área sejam realizadas no Brasil de modo continuado e colaborativo.
Para ler o artigo A coronavirus detected in the vampire bat Desmodus rotundus, disponível na biblioteca on-line SciELO (Bireme/FAPESP), clique aqui