Periódicos nacionais e visibilidade à ciencia

“Se quisermos dar mais visibilidade à ciência brasileira, um bom caminho – fora todas as iniciativas já consolidadas pelas agencias – é fortalecer cada vez mais periódicos nacionais”

Jacqueline Leta é pesquisadora da UFRJ e especialista em cienciomentria. Artigo enviado pela autora ao “JC e-mail”:

Recentemente, temos visto muitas comemorações em torno do expressivo aumento da participação brasileira na base de dados Thomson Reuters-ISI. Entre as autoridades, prevalece o argumento de que este recente crescimento deve-se às iniciativas e aos investimentos não só dos ministérios envolvidos, mas também das agências federais e estaduais de fomento ao setor de C&T.

Acredito que é consenso – até mesmo entre “os céticos e críticos perscrutadores” [Veja artigo Ciência brasileira em novo patamar, do ministro Sergio Rezende – http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=63636] – que a ciência brasileira só chegou ao patamar que chegou graças a todo o esforço destas instituições; esforço que vem num movimento contínuo e ascendente há pelo menos uma década.

Todos estes esforços foram fundamentais para formar massa crítica de cientistas e expertise nas mais diversas áreas do conhecimento. Fato é que toda esta competência brasileira tem sido convertida em mais reconhecimento e prestígio não só pelos pares internos, mas também pelos externos, especialmente nas áreas de temáticas internacionais.

No entanto, justificar – tal como tem sido recorrente nas falas das autoridades – que este recente e extraordinário desempenho brasileiro nesta base internacional é fruto de décadas de esforço destas instituições me remete para a história “A Verdade e a Parábola”, que tem como ensinamento o fato de que o “os homens não gostam de encarar a Verdade nua; eles a preferem disfarçada”.

Por outro lado, os chamados “céticos e críticos perscrutadores” devem ser os mesmos que com dados objetivos – bem ao estilo positivista de fazer ciência – têm mostrado que este fabuloso aumento brasileiro tem como explicação outra causa: o também fabuloso aumento de periódicos na base Thomson Reuters-ISI.

Sem me ater ao mérito deste jogo político e “marqueteiro” da Thompson, o fato é que nestes dois últimos anos o número de periódicos nacionais indexados nesta base de dados passou de 20 e tantos em 2006 para 103 em 2008.

Mas, então, contra-argumentação aos céticos, os mais otimistas dizem que é importante considerar que a “Reuters também aumentou a base das revistas indexadas de todos os países, principalmente daqueles fora do núcleo de longa tradição científica”, como diz o ministro em seu artigo. Em outras palavras, o crescimento do Brasil nesta base é real e superior ao destes outros países que também tiveram muitos títulos indexados.

E a história da Verdade e da Parábola se repete! Acreditar que a dinâmica de indexação de periódicos desta caixa-preta que é a base da Thompson é algo lógico é preferir a verdade disfarçada. Vejamos por que: supondo que um desses países “fora do núcleo de longa tradição científica” conte agora com 103 periódicos, tal como o Brasil, isso significa que ambos – Brasil e este outro país – terão o mesmo número de artigos? Obviamente não! Os periódicos – sejam de áreas diferentes ou dentro da mesma área – têm periodicidade diferente, têm volume e número de artigos também diferentes.

Assim, isso não é uma conta simples, uma regra de três. Se outros países não tiveram o mesmo desempenho que o Brasil, muito provavelmente isso se deve à soma de, pelo menos, dois fatores bem objetivos: a contribuição destes países no total da base, antes da inclusão dos novos títulos, e o total de artigos publicados nestes novos títulos.

É com preocupação que percebo nos discursos oficiais a prevalência de uma verdade disfarçada. Por que será? A verdade verdadeira acerca deste fabuloso crescimento tem como principal ator (ou atriz!) as revistas brasileiras, que para muitos divulgam um conhecimento novo de 2a categoria.

Essas revistas sempre se destinaram a publicar o conhecimento gerado dentro de nosso país; um conhecimento gerado e fruto do esforço de milhares de pós-graduandos e pesquisadores, que seguramente tiveram direta ou indiretamente muito apoio das agências federais e estaduais. Mas, até dois anos atrás, este mesmo conhecimento era prioritariamente olhado por nós, via SciELO; agora também ganha o público internacional. Que ótimo! Vamos comemorar o papel estratégico destas revistas, que apesar de relegadas a um segundo plano, se fortaleceram e estão levando o nome do Brasil ao exterior e possibilitando uma enorme visibilidade à pesquisa brasileira no meio acadêmico e científico dos quatro cantos do mundo.

Se quisermos dar mais visibilidade à ciência brasileira, um bom caminho – fora todas as iniciativas já consolidadas pelas agencias – é fortalecer cada vez mais estes periódicos.

A verdade verdadeira não deve ser temida; temos que reconhecer que a verdade disfarçada não basta para explicar tecnicamente este crescimento recente da produção científica brasileira. Não tenho dúvidas de que em breve veremos uma tremenda transformação: se hoje estes periódicos ainda guardam o estigma de 2ª categoria, dentro de três a cinco anos serão importantes meios de divulgação dos trabalhos de pesquisadores de renome, aqueles mesmos que ainda olham esquisito para estes veículos. Fato impossível de imaginar, se não houvesse a indexação.

Mas, como por traz de toda hipótese há de se ter um trabalho de pesquisa que a valide ou não, convido a todos para entender mais este desafio sobre a Verdade da ciência brasileira: qual será o impacto na composição dos autores dos periódicos que passaram a ser indexados na base Thompson?

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