Plasmodium iluminado

Um grupo de pesquisadores brasileiros e portugueses desenvolveu um modelo animal apropriado para estudar os efeitos da malária durante a gravidez em zonas de alta endemicidade. A doença causa anemia materna, diminuição da viabilidade do feto e crescimento intrauterino retardado.

De acordo com o primeiro autor do trabalho publicado na revista de acesso aberto PLoS One, o brasileiro Cláudio Marinho, o estabelecimento do novo modelo contribui para a compreensão de diversos aspectos particulares da malária gestacional, além de ser uma importante ferramenta para o teste de novas drogas e vacinas.

Marinho, que realizou a pesquisa como parte de seu pós-doutorado no Instituto Gulbenkian de Ciências, em Portugal, voltou ao Brasil em agosto de 2008 e, atualmente, leciona no Departamento de Pesquisas Biológicas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), no novo campus de Diadema (SP).

Todos os anos pelo menos 50 milhões de mulheres grávidas são expostas à malária, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). Estima-se que no continente africano, anualmente, 10 mil gestantes e 200 mil crianças morram em decorrência da malária associada à gravidez.

Em maio de 2008, o mesmo grupo de pesquisadores, em trabalho também publicado na PLoS One, descreveu pela primeira vez um modelo animal apropriado para o estudo da malária gestacional, mas com foco específico nas características patológicas observadas em casos ocorridos em zonas de baixa endemicidade.

“Quando se fala de malária associada à gravidez, temos que distinguir em que tipo de zona a mulher afetada habita. Em zonas onde a doença é endêmica, as mães têm um certo grau de imunidade ao parasita, por estarem sempre expostas a ele. Mas, em zonas de baixa endemicidade, tanto a mãe como o feto correm grande risco de vida”, disse Marinho à Agência FAPESP.

De forma semelhante à do primeiro trabalho, o grupo utilizou uma linhagem de camundongos que foi infectada com um parasita transgênico. O gene inserido no protozoário, quando transcrito, gera a proteína GFP, que emite luz verde ao ser estimulada com determinado comprimento de onda. Isso possibilita a visualização do parasita, que pode ser facilmente localizado em qualquer tecido do animal.

“Naquele modelo, infectamos os camundongos durante a gravidez e isso fez com que o animal não tivesse qualquer tipo de imunidade ao parasita, simulando as condições das zonas de baixa endemicidade. No caso, tanto a mãe como o filhote apresentavam graves problemas”, explicou Marinho.

A estratégia, desta vez, consistiu em criar nos camundongos uma infecção crônica, ou subclínica, ao contrário da primeira situação, na qual os animais desenvolviam a doença muito rapidamente após a infecção.

“Desta vez, infectamos os animais e, depois de alguns dias, os tratamos com a droga apropriada para a malária – a cloroquina. Mas não é um tratamento curativo, ele apenas controla a infecção. Portanto, o animal permanece com o plasmodium, mas em uma infecção crônica. Depois disso, deixávamos o animal engravidar”, disse.

Uma vez que o animal engravidava, segundo Marinho, havia um recrudescimento da infecção. “Trata-se de uma questão complexa para a qual não temos uma explicação definitiva. Mas sabemos que as mulheres grávidas são mais suscetíveis a qualquer outra infecção, provavelmente devido às modificações hormonais decorrentes da gravidez”, disse.

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De acordo com Marinho, outro fator observado em mulheres na África – continente onde o problema da malária durante a gravidez toma proporções dramáticas e que é o foco dos estudos do instituto de pesquisa português – reproduziu-se também nos camundongos: os animais que passavam por sua primeira gravidez se mostraram mais suscetíveis à doença.

“Durante a gravidez, algumas formas do parasita se fixam na placenta. É um sofisticado mecanismo de escape do protozoário, que dessa maneira não é destruído em outros sítios do sistema imunológico. Mas isso causa uma infecção grave, interferindo nas trocas de gases e nutrientes entre a placenta e o feto. As mulheres desenvolvem uma imunidade específica a essas formas que se fixam na placenta. Por isso, a primeira gravidez traz mais problemas”, explicou.

Uma das maiores dificuldades para se estudar a malária na gravidez é que os pesquisadores praticamente só têm acesso à placenta humana após o fim da gestação e até agora não existiam modelos animais apropriados.

“Nossos próximos estudos terão foco na identificação, em camundongos, de marcadores de doença placentária. Nesse trabalho já identificamos um, o IL10. Isso poderá ser importante no futuro, ao possibilitar que um simples exame de sangue feito em mulheres em zonas endêmicas identifique se elas terão problemas placentários”, destacou

Segundo ele, na África, onde 50 milhões de mulheres ficam grávidas anualmente, apenas cerca de 6% têm acesso a algum tipo de exame pré-natal.

“Grande parte passa por toda a gravidez sem acesso a qualquer tipo de serviço de saúde. Por isso, seria importante ter um exame simples para identificar se a mulher tem problemas ocultos ou os desenvolverá no futuro. Nosso modelo também é interessante para o desenvolvimento de vacinas e testes de novas drogas”, disse Marinho.

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