A ciência vem mostrando que o baixo peso ao nascer, como um risco biológico associado a outras variáveis biológicas, clínicas e sociodemográficas, pode se configurar numa vulnerabilidade para a presença de dificuldades comportamentais e de depressão infantil. De acordo com um estudo da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, de modo geral, crianças expostas ao fator de risco biológico relativo ao “muito baixo peso ao nascer” mostraram-se mais vulneráveis às dificuldades comportamentais, especialmente à hiperatividade, e à depressão infantil.
O trabalho é resultado da dissertação de mestrado da pesquisadora Claudia Mazzer Rodrigues, orientada pela professora Sonia Regina Loureiro. O objetivo foi verificar se as crianças nascidas com baixo peso são mais propensas a apresentar depressão e dificuldades comportamentais na idade escolar, em comparação a crianças nascidas com peso normal.
A pesquisa avaliou 665 crianças com idade entre 10 e 11 anos, de ambos os sexos, nascidas em Ribeirão Preto entre maio a agosto de 1994. Elas foram divididas em cinco grupos de peso ao nascer, conforme os valores de referência da Organização Mundial da Saúde: muito baixo peso (abaixo de 1.500 gramas (g); baixo peso (1.500g a 2.499g); peso insuficiente (2.500g a 3.000g); peso normal (3.001g a 4.250g); muito alto peso (acima de 4.250g).
A avaliação dos indicadores comportamentais foi realizada por meio do Questionário de Capacidades e Dificuldades (SDQ), respondido pelos pais. Os indicadores de depressão foram avaliados com base no Inventário de Depressão Infantil (CDI), respondido pelas próprias crianças. Além disso, as condições clínicas das crianças e as características sociodemográficas das famílias foram analisadas por meio das informações de um questionário complementar.
Os principais achados
Particularmente em relação aos indicadores comportamentais avaliados pelos pais, o grupo formado por crianças com “muito baixo peso ao nascer” apresentou mais indicadores de hiperatividade em comparação aos demais, além de mais problemas de relacionamento com colegas que o grupo “muito alto peso ao nascer”.
Com relação aos indicadores de depressão infantil, verificou-se que as crianças do grupo “muito baixo peso ao nascer” se avaliaram com mais problemas em comparação àquelas dos demais grupos.
Análise da associação entre os indicadores comportamentais, relatados pelos pais, e os indicadores de depressão infantil, relatados pelas crianças, mostrou que aquelas que apresentaram mais indicadores de depressão infantil na sua autoavaliação também apresentaram maior número de indicadores de dificuldades comportamentais gerais na avaliação dos pais, o que leva a crer que a sintomatologia depressiva referida pelas crianças foi identificada pelos pais como a presença de dificuldades comportamentais com manifestações diversas.
Observou-se, para todos os grupos, que as variáveis sociodemográficas relativas à menor qualificação da ocupação do pai/chefe da família, à menor escolaridade do pai e da mãe e à inclusão em classes econômicas menos favorecidas foram as que apresentaram mais associações com a presença de problemas comportamentais. O mesmo, no entanto, não foi observado para a depressão.
O baixo peso ao nascer pode ser, assim, reconhecido como uma condição adversa ao desenvolvimento infantil, favorecendo dificuldades comportamentais e depressão infantil. Considera-se, portanto, que o grupo de crianças nascidas com baixo peso mostrou-se mais vulnerável a dificuldades de saúde mental.
Segundo Cláudia, “a identificação precoce de dificuldades comportamentais e de indicadores de depressão associados ao peso ao nascer pode contribuir para o planejamento de programas de prevenção e intervenção para a promoção da saúde mental infantil”.
A depressão infantil
Estudos apontam que, na população brasileira, de 0,4% a 3% das crianças apresentam características depressivas. Em adolescentes, esse número varia de 3,3% a 12,4%, com fortes indicativos de se desenvolver a doença em idade adulta.
As causas são relacionadas a aspectos psicossociais, ou seja, perda de vínculos afetivos, divórcio dos pais, violência física e psicológica, falta de apoio familiar. Um dos primeiros sinais de alerta é a queda do rendimento escolar, além do desenvolvimento do quadro de mudanças repentinas do estado de ânimo, isolamento e tristeza. Além disso, especialistas alertam que alguns sintomas podem ser “recombinados”, o que dificulta o diagnóstico de depressão na infância.
No estudo realizado em Ribeirão Preto, 6,9% das crianças apresentaram indicadores de depressão.