Especialistas em indicadores de justiça, criminalidade e violência dos países da América Latina e Caribe se reuniram na Fiocruz, nesta segunda-feira (27), para o intercâmbio de experiências sobre o uso de informação estatística para a prevenção e redução da criminalidade e da violência na região, no âmbito da Agenda para o Desenvolvimento pós-2015. O debate, que vai acontecer até esta terça-feira (28), foi promovido em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e a Organização dos Estados Americanos (OEA). O encontro deverá subsidiar três reuniões regionais que serão realizadas pela ONU na América Latina e Caribe, África e Ásia‐Pacífico.
Ao abrir o encontro, o presidente da Fiocruz Paulo Gadelha chamou atenção para a importância que a temática violência tem na Agenda para o Desenvolvimento pós-2015. “A violência se apresenta com várias facetas e, nós, do campo da saúde, temos esse componente como um de nossos focos principais”, destacou. Ele disse que a pesquisa do crack, conduzida pela Fiocruz em parceria com a Secretaria Nacional de Políticas de Drogas (Senad), representou uma abertura para uma nova postura na politica de drogas. Gadelha ainda lembrou que, no Brasil, a violência é a principal responsável por mortes de adultos jovens. “A violência vai ainda além dessa dimensão, apresentando-se também como um indicador fundamental de doenças, de qualidade de vida e de possibilidades de condições de construção para a cidadania”, disse. “A Fiocruz tem estado muito presente nesse debate sobre como trazer a questão da saúde para a discussão sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis”, complementou.
O representante do PNUD no Brasil, Jorge Chediek, lembrou que tanto na conferência Rio +20, ocorrida no Brasil em 2012, como na resolução da Assembleia Geral da ONU, que aprovou a criação da Agenda, foi acordado que a paz e a segurança pública devem ser considerados nessa discussão. Ele enfatizou que as sociedades que não têm paz, nem segurança, pagam preços enormes em termos de desenvolvimento. “Temos pesquisas que mostram que países com níveis similares de desenvolvimento, após confrontar uma crise na segurança, podem perder até dez anos em termos de progresso e desenvolvimento”, alertou. “Precisamos de um esforço metodológico muito rigoroso para oferecer à comunidade internacional instrumentos que possam gerar indicadores sólidos e um compromisso maior”, reforçou.
O diretor do Centro Mundial para o Desenvolvimento Sustentável (Centro Rio+) Rômulo Paes atentou para algumas das dificuldades na definição de indicadores sobre violência e justiça. Segundo ele, aferir a violência é difícil, uma vez que ela está associada a quatro temas complexos: a urbanização; a produção e o consumo de drogas; o extremismo político; e a comercialização de armamentos. Para o diretor, o desafio é encontrar um terreno técnico e científico em que sejam produzidos indicadores de consenso que permitam uma comparabilidade. “Alguns indicadores tradicionais já nos dão alguma medida, mas é preciso avançar mais para falarmos efetivamente de indicadores de justiça de uma forma que compreenda a complexidade do mundo atual”, defendeu.
A secretária nacional de segurança pública Regina Miki falou sobre o trabalho da Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça (Senasp), juntamente com a OEA, na busca de indicadores para sua inclusão no Sistema Nacional de Informações sobre Segurança Pública. Segundo ela, são muitos os dados sobre segurança pública, porém, as informações ainda são escassas e os números existentes se referem ao campo da saúde. “Essas informações são imprescindíveis para a programação e avaliação das políticas públicas”, alertou. A busca do órgão pela criação do sistema, segundo ela, encontrou desafios como a ineficiência tecnológica e de informatização de algumas localidades do país – muitas delas localizadas em estados com capitais informatizadas. “Há localidades onde ainda se registram boletins de ocorrência de forma manuscrita”, observou. Entre os avanços conquistados pela secretaria, segundo Regina, está a criação da lei do Sistema Nacional de Segurança Pública (Sinesp), que prevê o armazenamento e a integração de dados e informações de segurança pública. “O grande desafio nessa discussão é transitarmos de uma cultura de esforço para indicadores da efetividade na política”, complementou.
Para a diretora do departamento de Segurança Pública da OEA, Paulina Duarte, o debate acerca do tema é extremamente importante, pois vai permitir a transposição de desafios no alcance da definição dos indicadores de violência e justiça. “Nosso grande desafio é trazer a academia para a área de segurança pública. Durante muitos anos, tivemos rejeição da academia em estudar e manejar temas ligados à segurança pública, e rejeição da segurança em se aproximar da academia. E isso, felizmente, vem mudando nos últimos anos. E a Fiocruz é uma das pioneiras nesse sentido” finalizou.
Rumo à Agenda para o Desenvolvimento Pós-2015
O chefe de equipe do escritório de Prevenção de Crises e de Recuperação do PNUD Samuel Doe trouxe ao debate as discussões que envolvem a Agenda para o Desenvolvimento Pós-2015. Uma delas, segundo ele, diz respeito à ressignificação do termo desenvolvimento, o qual, atualmente, assume um significado mais amplo, deixando de ser visto como mero crescimento econômico, mas também como crescimento social e que inclui o meio ambiente e os conceitos de sustentabilidade, solidariedade global, governança e parcerias globais.
Para Doe, o debate mais importante no âmbito da Agenda para o Desenvolvimento Pós-2015 diz respeito à mensuração da paz e segurança pública e da governança. Alguns líderes, segundo ele, acreditam que conceitos como esses são impossíveis de ser medidos, alegando que não há capacidade nacional para tal. “Acredito que podemos sim medi-los e o Brasil é exemplo disso, demonstrando que, se a segurança pública for medida no contexto do desenvolvimento, os resultados serão extraordinários”, defendeu. “Os indicadores encontrados vão mostrar o link entre desenvolvimento, segurança pública e sustentabilidade. Encontros como esse vão ajudar a convencer a comunidade internacional da importância disso”, concluiu.