Pesquisa da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP realizada com caminhoneiros revela um alto consumo de carboidratos nas refeições que antecedem o início do turno irregular (que fazem longas viagens interestaduais), em comparação aos motoristas do turno diurno. Outra constatação é o fato de 70% dos entrevistados estarem acima do peso.
“Esses resultados podem ser explicados tanto por hábitos alimentares inadequados quanto pela privação do sono, comum entre motoristas de caminhão, o que potencializa o aumento do apetite por alimentos mais calóricos e com alto teor de gordura”, explica a autora do estudo, a nutricionista Andressa Juliane Martins.
A pesquisadora observou um alto consumo de carboidratos como raízes e turbérculos, pães, biscoitos, massas em geral, farinhas, arroz, etc. “Recomendamos a adoção de hábitos alimentares mais saudáveis, com maior consumo de frutas, verduras e fibras, bem como evitar carboidratos simples, como açúcares em geral, refrigerantes, doces, chocolates, alimentos muito gordurosos, snacks, salgadinhos”, sugere.
“Longos períodos em jejum são prejudiciais. O ideal é o fracionamento das refeições ao longo do dia. Refeições mais leves no período da noite são mais adequadas, uma vez que, à noite, a digestão é mais difícil, pois originalmente somos programados para dormir nesses horários. A prática de atividade física também é importante para o auxílio na manutenção do peso, que tende a aumentar consideravelmente em função da privação do sono”, completa. A pesquisa foi realizada em 2012 em uma transportadora de São Paulo. A princípio foi uma demanda da própria empresa, que buscava realizar um trabalho voltado para a melhoria de qualidade de vida dos motoristas.
A primeira fase consistiu na aplicação de questionário estruturado com questões sociodemográficas, hábitos de vida e consumo alimentar em 71 motoristas. Na segunda fase, realizada com 49 caminhoneiros, foi feita uma avaliação do consumo alimentar mais detalhada, por meio da aplicação de um recordatório alimentar de 24 horas durante 3 dias; avaliação da sonolência e do ciclo vigília-sono e protocolos de atividades diárias durante 10 dias.
Padrões de sonolência distintos
Os resultados mostraram padrões de sonolência muito distintos entre motoristas dos turnos diurno e irregular. Os do turno irregular dormem em, média, 3 horas durante os dias de trabalho; enquanto motoristas do turno diurno dormem, em média, 6 horas. O turno diurno apresentou um padrão de sonolência em forma de U, mais fisiológico ao longo dos dias de análise, indicando um ciclo de vigília-sono mais equilibrado. “Por outro lado, entre os motoristas de turno irregular, existe uma tendência à redução dos níveis de sonolência, como se esses motoristas mantivessem um padrão de alerta constante apesar de estarem privados de sono, o que é um paradoxo”, diz.
“Levantamos duas hipóteses para esse comportamento: consumo de substâncias estimulantes para manutenção do estado de alerta durante a viagem; ou outra forma de dessincronização circadiana não relatada pela literatura anteriormente, de forma que esses motoristas se mantenham em alerta durante o trabalho e depois tenham dificuldades para adormecer porque há uma pressão maior para a vigília”, explica.
A dessincronização circadiana ocorre quando o “relógio biológico” — responsável pela sincronização dos nossos horários de sono e de alerta e outros ritmos biológicos — fica alterado devido à troca do dia pela noite (como no caso dos motoristas do turno irregular) e a privação de sono. “Outro resultado interessante é que esse padrão de sonolência tende a se acentuar em pessoas que estão em sobrepeso e obesidade”, completa.
Sonolência x carboidratos
O objetivo principal da pesquisa era avaliar a existência de uma relação entre a quantidade de carboidrato consumido e possíveis alterações nos níveis de sonolência dos motoristas de caminhão. Entretanto isso não foi verificado.
“O efeito da ingestão de carboidratos sobre o humor e o alerta tem sido estudado desde a década de 1980”, comenta. Segundo a nutricionista, há estudos realizados em laboratório que mostram associação entre o consumo de carboidratos e o aumento dos níveis de sonolência. Outros indicam uma associação entre os níveis de sonolência e consumo de carboidratos entre motoristas obesos. Há ainda os que relacionam o efeito da ingestão dos carboidratos no aumento da sonolência em função do aumento da serotonina.
A pesquisa Sonolência e consumo de carboidratos entre motoristas de caminhão foi apresentada à FSP em maio de 2013 sob a orientação da professora Claudia Roberta de Castro Moreno. A pesquisadora foi contemplada com bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).