Crianças com câncer ainda percebem algo positivo na doença

Pesquisa desenvolvida na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) da USP pela psicóloga Hilze Benigno de Oliveira Moura Siqueira analisou como crianças e adolescentes com câncer (5 a 18 anos), atendidos no ambulatório e na enfermaria de oncopediatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HCFMRP) da USP, avaliavam, compreendiam e expressavam sua dor.

Os resultados mostraram que algumas crianças só se referem aos efeitos negativos da dor. Outras conseguem perceber sua ausência / presença, considerando-as como efeitos positivos ou negativos, o que revela que a experiência dolorosa de câncer é, em alguns momentos, percebida também como algo positivo, revelando existir esperança.

No que se refere aos métodos de avaliação utilizados (questionários de caracterização da dor e dados clínicos, escalas de avaliação da dor, técnica gráfica de desenho e autorrelato), a pesquisadora destaca que foi interessante perceber o quanto eles possibilitaram apreender sentimentos como medo, dificuldades e privações, expressos, por exemplo, em figuras de nó, fogo, escuridão ou espinho. Surgiram também desenhos com elementos da natureza, extraterrestres, mostrando o imaginário da criança, suas tensões e medos.

Nestes casos, quando há distinção entre o modo como a dor é expressa, “a presença dos familiares, um ambiente favorável, medidas de conforto, segurança e compreensão desempenhadas pelo profissional de enfermagem são sempre fundamentais e podem favorecer uma melhor adaptação da criança ao seu estado físico e emocional”, comenta Hilze.

Entre março de 2010 e junho de 2012 foram realizadas 100 entrevistas com crianças e adolescentes, sendo a maioria do sexo feminino, entre 12 e 18 anos, com leucemia, realizando tratamento quimioterápico, e com queixa de dor não apenas física. A análise foi feita com base nas respostas às perguntas: Como a criança pensa e percebe essa experiência? Que tipo de dor expressa e como compreende essa dor?

O desenho da dor
Foi solicitado às crianças e aos adolescentes que “desenhassem a sua dor”. O pedido constava do questionário da seguinte forma: “Se pudesse colocar nesse papel sulfite, a dor que já sentiu ou sente, o que você desenharia? Para eu lhe compreender melhor, gostaria que desenhasse nesse papel como é a sua dor”.

Crianças próximas dos 5 anos fizeram rabiscos, contendo movimentos circulares com figuras humanas imaginárias. Os mais velhos desenharam características abstratas, com monstros imaginários. Os desenhos, em sua maioria, eram pequenos, o que, segundo a pesquisadora, pode estar associado ao sentimento de pequenez e impotência, sinalizando baixa autoestima e dificuldade de superação.

Um dos meninos, com 5 anos de idade e diagnosticado com câncer, ao desenhar e descrever sua dor, fez o seguinte relato: “Bicho feio é o nome de minha dor porque ela não deixa eu brincar [desenha um rabisco]. Agora vou desenhar um coração [pausa]. Uma bola, o nariz, a dor [pausa], a dor tem cabelinho. Agora vou desenhar um elefante, os zôlhinhos, aqui é a boquinha, a patinha e a trobinha [pausa]. O elefante vai tirar a dor, soprando [pausa]. Agora é a orelha, ele vai soprar na dor e vai levar para o cemitério. Vai lá pra rua e ela vai ser atropelada e ser morta. Esse é meu irmão [aponta para o rabisco], ele veio ajudar. Tchau bicho feio [pausa]. O dodói parece com a bebedora de cachaça [pausa], você não sabe? é minha mãe”.

Por outro lado, o estudo demonstrou existir, em alguns, um forte sentimento de esperança. “Ao retratar a imagem de uma árvore quase seca, o adolescente sinaliza indício de vida em seu desenho, com representação dos sentimentos de esperança e fé”, observa a psicóloga.

Para ela, em seu estudo, pode-se notar que crianças e adolescentes experimentam a dor de maneiras diversas por meio dos fatores sensitivos, afetivos e cognitivos, na tentativa de aliviar a sensação de desamparo provocada pela experiência dolorosa. “Este estudo configura-se como um motivador para avaliações e medidas na saúde pública, área da pesquisa e da clínica, com propósito de manejo adequado de dor nos dois períodos tão significativos do ciclo vital humano, a infância e a adolescência”.

Escala EMADor em crianças e adolescentes com câncer
Uma das ferramentas utilizadas na pesquisa foi a Escala Multidimensional de Avaliação de Dor (EMADor), desenvolvida por Fátima Faleiros Sousa e colaboradores, professora e orientadora da tese da Hilze. O método possibilitou verificar diferenças quanto à dor crônica, seguindo a evolução do pensamento de acordo com a idade. Crianças de 5 a 7 anos atribuíram valor maior às palavras que se referiam ao corpo ou ao físico; as de 8 a 11 anos fizeram mais referências ao emocional e ao cognitivo e os adolescentes (a partir dos 12 anos), de forma mais complexa, valorizaram o aspecto afetivo da dor.

As pesquisadoras concluem que, a partir dessas ferramentas, é possível entender e perceber a extensão dolorosa do câncer pediátrico já em crianças a partir de 5 anos de idade. E, mais, que “essas informações devem ser avaliadas em suas totalidades e não ignoradas ou subestimadas pela equipe de saúde”.

A tese A percepção de dor na experiência de câncer infanto-juvenil foi orientada pela professora Fátima Aparecida Emm Faleiros Sousa, e defendida em julho de 2013.

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