Automóvel tem relação com inatividade física no transporte

A posse de veículos está associada à inatividade física durante deslocamentos diários de moradores de região de baixo nível socioeconômico da capital paulista. Esta relação, por sua vez, independe da faixa etária, escolaridade e presença de doenças crônicas na população. Os dados são de uma pesquisa do Grupo de Estudos e Pesquisas Epidemiológicas em Atividade Física e Saúde (GEPAF) da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP, que buscou e avaliar quais eram os fatores associados à inatividade física no transporte, dentre os quais a presença de veículos no domicílio, dos habitantes do bairro de Ermelino Matarazzo, na zona leste de São Paulo. De maio de 2007 a janeiro de 2008, foram realizadas entrevistas domiciliares com moradores adultos da região, totalizando 368 homens e 522 mulheres.

“Ter um veículo no domicílio aumenta em duas vezes as chances do homem não se deslocar ativamente. E em 1,5 vez para a mulher”, conta o educador físico e pesquisador da Faculdade de Saúde Pública (FSP) Thiago Hérick de Sá. Juntamente com o também educador físico Emanuel Péricles Salvador e o professor da EACH Alex Antonio Florindo, ele é autor do artigo Fatores associados à inatividade física no transporte em adultos brasileiros vivendo em uma região de baixo nível socioeconômico, publicado em agosto na revista científica Journal of Physical Activity and Health.

O critério utilizado foi rigoroso: “Para ser não ativa no transporte, a pessoa não poderia ter caminhado ou pedalado por mais do que dez minutos na semana”, explica Sá. O trabalho também aponta para uma relação linear entre o número de veículos no domicílio e a inatividade física, com o chamado efeito “dose resposta”. “Parece que quanto mais veículos a pessoa tem em casa, maior é a chance de ela ser inativa no transporte”, diz.

Saúde e determinações sociais
A escolha do bairro de Ermelino Matarazzo para objeto do estudo se deu em função de seu baixo nível socioeconômico, bem como pela sua distância geográfica para o centro expandido de São Paulo. “Uma região de baixo nível socioeconômico por si só já tem um conjunto de problemas de saúde que outras regiões não tem”, relata o pesquisador. É preciso considerar os problemas de saúde também como determinações sociais, relacionados ao acesso à cidade, serviços de saúde, lazer e transporte de qualidade.

Segundo o educador físico, uma recente revisão sistemática da literatura científica apresentou a evidência de que de fato existiria uma associação entre presença de veículo no domicílio e menor atividade física no transporte. “Outros estudos em diferentes países encontraram essa relação. E, curiosamente, ela é mais forte onde os sistemas públicos de transporte são piores”, comenta.

É neste contexto que, segundo Sá, surge a hipótese de que a presença de mais de um automóvel por domicílio estaria ligada ao rodízio de veículos em São Paulo. Residentes em uma região afastada da centralidade da capital, onde concentram-se empregos e serviços, e com um sistema de transporte público ineficiente, algumas famílias seriam levadas a comprar um segundo carro para os dias de restrição.

Impacto de políticas públicas
Outro questionamento levantado pelos pesquisadores diz respeito ao impacto de qualquer política pública sobre a saúde. “A saúde precisa ser levada em conta em todas as políticas. Não apenas na política de transportes, mas na de habitação, segurança, economia”, opina Sá. O estudo faz, inclusive, uma crítica à política econômica do governo federal de redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para a indústria automobilística, como incentivo à compra de veículos. “Nossa crítica é que não foi feita a devida avaliação do impacto dessa política econômica sobre a saúde da população. E se nada for feito para reverter esse impacto, a saúde da população pode sofrer grandes danos nos próximos anos, seja com relação à questão da poluição, ou à diminuição da prática de atividade física nos deslocamentos”

 

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