A instalação de cemitérios em locais com condições geológicas desfavoráveis pode provocar sérios riscos ao meio ambiente. "Devido ao processo de decomposição de corpos dispostos no subsolo, os cemitérios podem apresentar a potencialidade de comprometer a qualidade do solo e das águas subterrâneas", alerta a pesquisadora Ana Paula Silva Campos, que estudou o tema em sua dissertação de mestrado em Saúde Ambiental na Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP.
Na pesquisa, foram analisados estudos sobre contaminação e as normas ambientais para instalação e manutenção de cemitérios. "O produto da decomposição, conhecido como necrochorume (ou produto da coliqüação), é liberado pelo corpo durante seis a oito meses, sendo que cada cadáver pode gerar de 30 a 40 litros", explica. "Composto de 60% de água, 30% de sais minerais e 10% de substâncias orgânicas tóxicas (putrescina e cadaverina), além de carga patogênica, o necrochorume é mais viscoso que a água, de cor acinzentada ou acastanhada, odor forte e desagradável".
Se o solo dos cemitérios for poroso e permeável, o necrochorume pode vir a se mover e misturar com a água subterrânea, podendo tornar-se veículo de doenças, caso haja microrganismos patogênicos. "A contaminação pode vir a ocorrer pela ação de vetores químicos e microbiológicos que percolem com infiltração de chuvas em locais com nível de água menos profundo, ou onde haja inundação de sepulturas", ressalta Ana Paula.
Contaminação
"Apesar dos cemitérios antigos terem sido locados nas áreas altas e com lençol freático profundo, não havia instrumentos legais de controle e não foram levados em conta estudos geológicos e hidrogeológicos", explica a pesquisadora. "Ou seja, eles podem constituir-se em fonte de contaminação, causando alterações físicas, químicas e biológicas no solo e nas águas subterrâneas e superficiais que não estiverem devidamente protegidas ou que estejam em locais vulneráveis".
Análises de águas subterrâneas realizadas por outros pesquisadores em áreas de cemitérios indicaram, em casos específicos, a presença de microrganismos como coliformes totais, termotolerantes, bactérias heterotróficas, além de substâncias físicas e químicas como sólidos dissolvidos, nutrientes e cálcio, provavelmente oriundas do processo de decomposição. "Também foram detectados metais como alumínio, cobre, cromo, ferro, manganês e zinco, possivelmente oriundos da composição dos caixões ou do próprio solo", conta Ana Paula.
A pesquisadora observa que o solo tem capacidade de atenuação e autodepuração de poluentes, principalmente na zona não-saturada. "Fatores como condutividade hidráulica, granulometria, composição do solo, permeabilidade, nutrientes e aeração adequadas, podem favorecer a eliminação de microrganismos e inviabilizar condições oportunas de contaminação das águas".
A implantação de cemitérios deve considerar fatores como implantação geológica e hidrogeológica e operação técnica e sanitária adequadas, fixando faixas de proteção sanitária para garantir a qualidade das águas. "É necessário licenciar, fiscalizar, monitorar e acompanhar a atividade cemiterial rigorosamente, para prevenir e controlar a eventual poluição, além da utilização de técnicas de remediação para reutilização de áreas de cemitérios", alerta a pesquisadora.
Mais informações: (0XX11) 8196-0263, com Ana Paula Silva Campos. Pesquisa orientada pelo professor Wanderley da Silva Paganini