Melanoma é uma neoplasia (câncer) com origem nas células produtoras de pigmentos. Embora também possa surgir em mucosas, a maioria absoluta ocorre na pele, recebendo o nome de melanoma primário cutâneo. Esse tipo de neoplasia se manifesta de maneiras distintas, e essas manifestações têm relação direta com o prognóstico e o tratamento da doença.
Classificar uma lesão melanocítica (pigmentada) como benigna, maligna ou suspeita de malignidade requer a combinação de observações clínicas, feitas durante as consultas médicas, e análises histológicas – de investigação da lesão com o auxílio de microscópios. Uma vez que o tecido é removido para estudo, existem recursos que ajudam a definir o diagnóstico.
Quando a lesão é maligna, o principal indicador de prognóstico é o índice de Breslow, que relaciona a espessura vertical (invasão tecidual) do melanoma, em milímetros, com a gravidade do quadro e a probabilidade de metástases. Contudo, contrariando a escala, há relatos de pacientes com tumores espessos e sobrevida maior do que a esperada, assim como a ocorrência de tumores finos que evoluem com crescimento agressivo e tendência à metástase.
Dessa forma, é preciso ampliar os conhecimentos a respeito de um segundo recurso amplamente utilizado para a análise das lesões: os marcadores imuno-histoquímicos de progressão tumoral, objetos de pesquisa desenvolvida na Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista (FMB/Unesp), com apoio da FAPESP e aprovação do Comitê de Ética da FMB.
“Marcadores imuno-histoquímicos são anticorpos específicos – anti Bcl-2, anti p-53, anti Ki-67 e HMB-45, no caso dessa pesquisa – que reagem com o tecido analisado se os antígenos contra os quais foram produzidos estiverem presentes, estabelecendo uma ligação antígeno-anticorpo”, disse Sílvio Alencar Marques, professor titular do Departamento de Dermatologia e Radioterapia da FMB e responsável pelo estudo.
Marques, duas outras pesquisadoras – Mariangela Marques, professora livre docente do Departamento de Patologia, e Ana Claudia Cavalcante Espósito, médica residente do Departamento de Dermatologia e Radioterapia e bolsista da FAPESP durante a realização do estudo – e o engenheiro Felipe Kesrouani Lemos, responsável pela análise estatística dos dados, partiram da premissa de que montar um painel ampliado sobre os marcadores imuno-histoquímicos poderia resultar em um importante auxílio no diagnóstico de lesões.
O trabalho começou com o estudo clínico e demográfico de 195 prontuários de pacientes da FMB – todos com melanomas retirados pelo serviço de Dermatologia e analisados pelo setor de Patologia, entre os anos de 2000 e 2010. Essa etapa permitiu levantar uma primeira e alarmante conclusão a respeito do universo estudado: o tempo médio entre o aparecimento das lesões e o diagnóstico definitivo foi de 4,04 anos.
“Esse intervalo de espera é assustador e tem impacto muito negativo no prognóstico dos casos. Além disso, demonstra ausência de educação sanitária dos indivíduos propensos ao melanoma – de pele muito clara e com muitos nevos (popularmente chamadas pintas) – e provável deficiência no conhecimento médico sobre os sinais de suspeita de lesões malignas”, disse Marques.
A segunda parte da pesquisa envolveu a análise dos melanomas. Para tanto, as biópsias foram separadas em quatro subtipos principais: 1) melanoma extensivo superficial, em tese de melhor prognóstico, pois tende a crescer por mais tempo no sentido horizontal, com invasão de tecido mais tardia; 2) lentigo maligno melanoma, que ocorre em pacientes de terceira idade com pele clara e em áreas expostas ao sol, também com bom prognóstico (em tese) graças ao crescimento horizontal por longo período antes de invadir o tecido; 3) melanoma acral lentiginoso, localizado nas palmas das mãos, nas plantas dos pés e embaixo das unhas, próprio de pacientes negros, pardos e orientais; e 4) melanoma nodular, o de pior prognóstico, pois invade depressa os tecidos mais profundos da pele e provoca metástases precocemente.
Após essa separação, os pesquisadores escolheram um número representativo de cada subtipo e realizaram a imunomarcação. Ou seja, os anticorpos anti Bcl-2, anti p-53, anti Ki-67 e HMB-45 foram aplicados às amostras a fim de que a equipe avaliasse as respectivas reações. “Utilizamos uma técnica chamada avidina biotina peroxidase, em que a coloração da célula marcada positiva fica marrom escura, em contraste com a célula não marcada, que fica de coloração azul tênue”, disse Marques.
O paradoxo Bcl-2
Amplificadas e marcadas com corantes, as reações puderam ser comparadas e estudadas. Foi então que caíram certas hipóteses iniciais da pesquisa, relacionadas a um fenômeno biológico denominado apoptose. Trata-se da morte celular programada ou desencadeada para eliminar de forma rápida e eficiente células desnecessárias ou danificadas.
Células que apresentam alterações no DNA, seja por stress metabólico ou oncogênico (relacionado a tumores), induzem o aumento de uma proteína chamada p53 que, por sua vez, leva à produção de genes com papel de suprimir tumores por meio da apoptose – vem daí a lógica de dizer que a p53 é pró-apoptose.
O câncer é resultante da proliferação descontrolada de células – e células cancerosas desenvolvem sistemas para desarmar a apoptose e facilitar a progressão e a persistência da doença. Isso ocorre pela inibição da função da p53 ou pelo aumento de outra proteína, a Bcl-2, que é anti-apoptótica.
“Era de se esperar, portanto, que nos melanomas, principalmente naqueles com alto índice de proliferação celular, a imunomarcação de Bcl-2 fosse expressiva. Mas não é o que alguns trabalhos da literatura demonstram e também não foi o que observamos”, disse Marques.
“E mais: entre os subtipos de melanoma, a Bcl-2 foi mais marcante em melanomas extensivos superficais do que em melanomas nodulares. Sendo esse último o subtipo mais agressivo, seria esperado que a proteína anti-apoptose fosse mais presente”, explicou.
Os pesquisadores ainda não têm explicações definitivas para esse paradoxo. Uma hipótese é a de que, por haver outras proteínas anti-apoptose na família da Bcl-2, o papel de ‘imortalização’ das células seja compartilhado e, com isso, a Bcl-2 não se expresse como o esperado.
“O diagnóstico definitivo ainda repousa na expertise de clínicos e patologistas. Métodos auxiliares precisam de mais investigação e aporte tecnológico. E há necessidade de busca por outros marcadores, mais sensíveis e específicos”, disse Marques.
Desdobramentos
Diante dos 195 diagnósticos feitos na Dermatologia da FMB ao longo de uma década, os pesquisadores verificaram que o melanoma não pode ser considerada uma enfermidade rara e, ao contrário disso, vem crescendo quantitativamente.
“Essa observação motivou uma pesquisa paralela que comprovou, frente a vários parâmetros de comparação, que o câncer cutâneo tem incidência crescente. Mais especificamente, houve um aumento de 171% entre 1999 e 2011”, contou Marques.
Outro índice em elevação é o da frequência do subtipo melanoma acral lentiginoso, com avanço de 13%. Próprio de peles morenas e de orientais, ele impõe desafios extras ao diagnóstico clínico, uma vez que é menos conhecido por médicos generalistas e, portanto, tem maiores chances de diagnósticos tardios.
A educação em saúde para pacientes e a reciclagem e a capacitação para médicos são, aliás, algumas das consequências práticas propostas pelo estudo.
Considerando o grande intervalo entre a percepção da lesão e o diagnóstico definitivo, os pesquisadores pretendem produzir e distribuir folders informativos e promover cursos e eventos que abordem os melanomas e seus principais sinais de alerta. De acordo com Marques, “a intenção é que a suspeita e o diagnóstico ocorram de forma o mais precoce possível”.
Uma provável deficiência entre médicos pode estar relacionada ao conhecimento e à interpretação do método conhecido como ABCDE, em que A remete à assimetria (o nevo saudável tem metades simétricas horizontal e verticalmente), B às bordas (o normal é o nevo ter limites regulares), C à cor (em geral, nevos têm cor homogênea, enquanto o melanoma apresenta mais de uma coloração de superfície), D ao diâmetro (lesões com mais de seis milímetros devem ser consideradas suspeitas), e E à evolução (modificações em pintas pré-existentes).
“Todos os médicos deveriam conhecer essa regra. Ela não é absoluta, mas serve excepcionalmente bem para uma primeira triagem”, disse Marques.
Também com o intuito de acelerar o tempo de diagnóstico, o estudo propõe à FMB o aprimoramento dos prontuários (agora eletrônicos) e do protocolo usado para casos de melanomas – se fielmente seguido pela equipe de oncologia dermatológica da instituição, ele contribuirá para as próximas pesquisas da equipe, que agora tem a intenção de se debruçar sobre a imunomarcação em metástases.
Os resultados da pesquisa foram apresentados em dois congressos: por Espósito no Congresso Médico Acadêmico da FMB, em 2012, e por Marques, na Reunião Anual dos Dermatológos LatinoAmericanos (31ª Radla), em abril de 2013, no Uruguai.
Além dos pesquisadores envolvidos diretamente no estudo, a equipe credita a participação indireta dos docentes, médicos e residentes que diagnosticaram e removeram lesões na FMB ao longo da última década.