O conjunto de atividades desenvolvidas pela Fiocruz na área de influência do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) ultrapassou as ações de monitoramento epidemiológico – previstas no início do acordo com a Petrobras. A grande abrangência do projeto resultou em um Programa de Desenvolvimento Científico da Fundação no entorno do Comperj, com atuação nas áreas de cooperação, ensino, desenvolvimento e inovação tecnológica em saúde. O detalhamento das ações foi apresentado pelos coordenadores do projeto, Luciano Toledo e Paulo Sabroza, durante o Ceensp de quarta-feira (24/4). Entre as evidências apresentadas, a de que a maioria dos problemas de saúde não está relacionada às obras nesse primeiro momento, mas sim à organização ou desorganização do sistema de saúde.
Com o tema Monitoramento de condições de vida e saúde em áreas de implantação de grandes empreendimentos: desafios metodológicos, o Centro de Estudos apresentou parte dos resultados e todo o alcance do projeto coordenado pela ENSP na área do Comperj. “Hoje, falamos do Complexo Petroquímico, mas a experiência da Fundação com a problemática sociossanitária no entorno de empreendimentos de grande interesse nacional se confunde com sua própria história, tendo como marco inicial a revolta da vacina, no início do século XX”, disse o coordenador geral do plano, Luciano Toledo, citando toda a bagagem e envolvimento da Fiocruz com o tema.
A atuação da instituição no Comperj está voltada para o acompanhamento dos agravos entendidos como sensíveis à população, como as transformações socioambientais, o aumento da violência, os acidentes de transporte, a ocupação dos espaços urbanos, o consumo de drogas e demais aspectos relacionados à saúde, além das consequências que um grande projeto de desenvolvimento como esse podem trazer para a região.
“Sobre as dimensões dos problemas de saúde considerados no monitoramento epidemiológico, o trabalho desenvolvido pela ENSP incluiu, além da análise da transição demográfica e epidemiológica, dos determinantes das condições de vida e saúde presentes nos grupos sociais mais vulneráveis, os componentes incapacidade para o trabalho e sofrimento”, disse Paulo Sabroza, coordenador técnico do projeto.
Comperj: impactos em escala nacional, regional e local
O Complexo Petroquímico faz parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e pode ser considerado um dos maiores projetos realizados pela Petrobras, com investimentos de aproximadamente 15 bilhões de reais e estimativa de gerar cerca de 4 bilhões de reais por ano para o país.
Toda essa complexidade, de acordo com Luciano Toledo, faz com que os produtos gerados pelo Comperj tragam impactos em escala nacional, regional, municipal e local. “Esse empreendimento será um grande vetor de mudanças na região metropolitana do Rio de Janeiro. O Arco Metropolitano do RJ, autoestrada que ligará as cidades de Itaboraí e Itaguaí, pode ser chamada rodovia transepidêmica. Uma nova dinâmica vai se estabelecer no estado, e é com essa perspectiva que temos de olhar os impactos sociossanitários. Não podemos ficar como no passado, monitorando apenas doenças ou agravos específicos. É necessário analisar não só as doenças cardiovasculares, AVC, mas também a situação do estresse, a incapacidade para o trabalho, os delitos relativos à segurança pública e a identificação dos territórios críticos”, admitiu o Luciano.
Já Sabroza alertou para os impactos no campo econômico, com aumento no preço dos imóveis e construções inéditas no trecho que envolve o complexo. “Não podemos nos limitar à análise de uma unidade territorial restrita. Os trabalhadores do Comperj estão morando em Tanguá e Maricá. Se não incluirmos os impactos do empreendimento nesses dois municípios, não entenderemos o processo e a dinâmica do projeto.”
A escolaridade como fator de transformação
Um aspecto que pode atuar como vetor de transformação nas populações pobres é a escolaridade, segundo Sabroza. A percentagem de pessoas com o ensino superior completo chega a 5,58% em São Gonçalo, 3,6% em Itaboraí, 5,18% em Cachoeiras de Macacu e 3,87% em Guapimirim. “Se tivéssemos de fazer algo direto para essa população, seria a capacitação. A simples presença do Comperj – que está aumentando os preços e trazendo profissionais de fora – não resolverá todos os problemas da região. Se não houver aumento da competência em termos de capacitação e escolaridade, a implementação do complexo não trará benefícios”, disse o pesquisador.
“Não basta monitorar a situação do município. Precisamos identificar quais são as situações mais desiguais, onde está concentrada a miséria social, ou seja, o grupo que será mais vulnerável ao processo de instalação do complexo. As populações mais excluídas não incorporarão os benefícios do empreendimento, se não houver luta pelos seus direitos”, completou Luciano Toledo.
De acordo com o coordenador técnico, embora as máquinas estejam em funcionamento, não houve elevação nos registos e afastamento do trabalho por traumas, apesar do aumento nas doenças do aparelho digestivo, neoplasias, lesões corporais e acidentes de trânsito.
Sobre a abrangência do projeto, o coordenador-geral do Plano de Monitoramento Epidemiológico da Área de Influência do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) apresentou as atividades desenvolvidas pela equipe multidisciplinar da ENSP na região. Entre elas, destacam-se o mestrado profissional em Vigilância em Saúde na Região Leste do Rio de Janeiro, a criação do Observatório de Situações de Saúde, que dá apoio às atividades de vigilância epidemiológica do Comperj, o lançamento dos Cadernos de Monitoramento Epidemiológico e Ambiental, uma série de publicações periódicas destinadas aos temas importantes da atenção básica em saúde, e as parcerias desenvolvidas com o curso de graduação em Saúde Coletiva da UFRJ e o Instituto de Segurança Pública (ISP), a fim de discutir a parceria no fornecimento dos dados para o projeto e melhores formas de trabalhar e divulgar as informações de saúde e segurança na região.
“Nós, na qualidade de escola nacional, precisamos olhar, cada vez mais, para essas questões. É importante que todos reconheçam a importância de monitorar as condições de vida e saúde nessas áreas de grandes empreendimentos”, disse um emocionado Luciano Toledo, revelando que esta será sua última atividade como professor do quadro da Escola.
O Ceensp teve a coordenação do assessor da Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde (VPAAPS) da Fiocruz, José Paulo Vicente da Silva, e participação do representante do BNDES, Luiz Antônio Pazos. A vice-diretora de Pesquisa e Inovação Tecnológica da ENSP, Margareth Portela, também se despediu dos presentes, com o anúncio de que aquela sessão seria o último Ceensp sob sua coordenação