Brasil faz transplante com uso de células-tronco de medula óssea para problemas do fígado

Começaram a ser realizados nesta terça-feira (20/09) os primeiros transplantes do mundo com a utilização de células-tronco de medula óssea para pacientes com problemas no fígado (cirrose crônica), em Salvador. Com a coordenação dos Serviços de Gastro-Hepatologia do Hospital Universitário Professor Edgard Santos, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), do Hospital São Rafael (HSR) e a participação do Centro de Pesquisa Gonçalo Moniz, unidade da Fiocruz na Bahia, os procedimentos serão feitos no HSR. Os coordenadores do projeto são Luiz Guilherme Lyra (UFBA e HSR), na parte clínica da pesquisa, e Ricardo Ribeiro dos Santos (CPqGM), na parte experimental do estudo.

A utilização de células-tronco para tratamento de problemas no fígado é resultado de um estudo iniciado há dois anos pela equipe do Laboratório de Engenharia Tecidual e Imunofarmacologia (Leti) da Fiocruz. "Nós utilizamos uma dieta composta de tetracloreto de carbono e álcool que, aplicada nos camundongos, provoca uma doença semelhante à cirrose crônica em seres humanos. Com a utilização também do modelo da fibrose provocada pela esquistossomose, verificamos que o tratamento utilizando células-tronco reduz em torno de 60% a fibrose hepática", explica Ribeiro dos Santos.

O pesquisador conta que os dados animaram o grupo a fazer o protocolo clínico para iniciar o transplante com seres humanos. O objetivo é tratar casos de pacientes com doenças crônicas que estão na fila de transplantes de fígado. Para o estudo, que está na fase 1, devem participar apenas pacientes que apresentem casos mais graves da doença e que já não respondem ao tratamento convencional.

"Não é cura, e sim sobrevida"

O transplante de células-tronco em pacientes portadores de doenças hepáticas não vai substituir a necessidade do transplante do órgão, mas poderá auxiliar centenas de pessoas que estão à espera de um fígado sadio. Somente no Hospital São Rafael cerca de 120 pessoas estão na fila para receber um fígado, para uma média de 6% a 7% de doadores. "No caso de doenças hepáticas graves que necessitam do transplante do órgão, ou você recebe um fígado novo ou morre", destaca Ribeiro dos Santos. A intenção dos pesquisadores é tentar melhorar a qualidade de vida do indivíduo e aumentar a sobrevida até o paciente receber um fígado sadio, até então a única solução definitiva para a cura.

A técnica é semelhante à utilizada no tratamento de pessoas chagásicas. A equipe retira uma quantidade de líquido produzido pela medula óssea da bacia do paciente, purifica o material para retirada das células-tronco e injeta as células por um cateter dentro da artéria hepática, que levará as células-tronco até a lesão. Após o procedimento, o paciente será acompanhado pela equipe clínica por mais alguns meses para avaliação dos resultados.

O projeto de pesquisa para o estudo de células-tronco na cirrose hepática está autorizado para os cinco primeiros pacientes pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep). A equipe é responsável por fazer um relatório dos casos para, posteriormente, realizar mais 25 procedimentos, de um total de 30 cirurgias que compõem a fase 1 do estudo. O primeiro paciente a ser submetido à cirurgia é homem, tem 49 anos e mora na capital baiana.

Juntamente com Luiz Lyra, estão envolvidos na parte clínica os pesquisadores André Lyra, da UFBA, Marcos Fortes, André Goiana, Luiz Flávio, Luciano Espinheira e Wilson Carvalho do HSR. Na parte experimental e preparação de células-tronco são responsáveis os cientistas da Fiocruz Ribeiro dos Santos, Milena Botelho Pereira Soares, Augusto Mota e Sheilla Andrade Oliveira, com colaboração do pesquisador Luiz Antônio Rodrigues de Freitas, do Laboratório de Patologia e Biointervenção (LPBI).

O que é a cirrose?

A cirrose hepática é a destruição de células do fígado, causada por vírus ou ingestão de álcool, que resulta em uma lesão irreversível. Nos casos de cirrose provocados por bebidas alcoólicas no organismo, o etanol é metabolizado no fígado e transformado em ácidos nocivos às células hepáticas. O tecido hepático passa a desenvolver fibrose – células que não têm qualquer função – com prejuízo para o fígado. Na fase crônica, a evolução da fibrose para cirrose pode levar o indivíduo a um quadro de insuficiência hepática e à morte.

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