Com parceiros internacionais, a Fiocruz deu a largada em um projeto de pesquisa que visa contribuir para a saúde das populações e dos ecossistemas na Amazônia e no Leste da África diante das mudanças climáticas e da degradação ambiental. O objetivo é estabelecer sistemas de informação para apoiar comunidades locais em áreas de fronteira na avaliação dos impactos das transformações ambientais sobre o seu bem-estar e no desenvolvimento de ações de prevenção, adaptação e mitigação destes problemas.
Na Amazônia, a pesquisa será desenvolvida em duas áreas: a fronteira binacional entre Brasil e Guiana Francesa e a tríplice fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru. Na África, o projeto terá foco na fronteira do Quênia com a Tanzânia, abrangendo o território onde vive o povo Maasai. Intitulada Aplicação multilocal da ciência aberta na criação de ambientes saudáveis envolvendo comunidades locais (Mosaic, na sigla em inglês), a iniciativa une cerca de 90 pesquisadores, de 15 instituições científicas, de sete países.
O projeto é coordenado pelo Instituto de Pesquisa para o Desenvolvimento (IRD, na sigla em francês), da França, e foi selecionado pelo programa Horizon Europe, da União Europeia, para financiamento no período 2024 a 2027. É o primeiro edital europeu de fomento à pesquisa com participação da Plataforma Internacional para Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde (PICTIS), centro de pesquisa estabelecido em colaboração entre Fiocruz e a Universidade de Aveiro, em Portugal.
Líder do pacote de trabalho pela Pictis, o pesquisador do Laboratório de Doenças Parasitárias do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), Paulo Peiter, destaca que o projeto é uma iniciativa com foco na aplicação prática dos conhecimentos científicos em diálogo com os conhecimentos tradicionais das populações em seus territórios.
“O Mosaic une pesquisadores de três continentes – América do Sul, África e Europa – com o objetivo de integrar o conhecimento científico aos conhecimentos e práticas das comunidades locais, realizando a translação do conhecimento. Queremos fornecer ferramentas de informação e comunicação para o manejo, adaptação e mitigação dos impactos decorrentes das mudanças climáticas e da degradação ambiental nos territórios”, afirma o pesquisador.
Especialistas de quatro unidades da Fundação participam do projeto: Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), Instituto Leônidas e Maria Deane (Fiocruz Amazônia), Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz) e Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz).
Saúde planetária e ciência aberta
O projeto tem dois pilares. O primeiro deles é a saúde planetária, que compreende a integração entre a saúde humana e a saúde dos ecossistemas terrestres. O segundo é a ciência aberta, que ressalta a importância do compartilhamento de dados de pesquisa, da colaboração científica e da participação da sociedade na produção do conhecimento.
Para criar sistemas tecnológicos capazes de coletar, analisar e compartilhar dados sobre o ambiente e a saúde, produzindo informações relevantes e acessíveis para as comunidades locais, o estudo reúne especialistas de diversas áreas do conhecimento. Pesquisadores dos campos da saúde humana e animal, ecologia, geografia e modelagem de dados, entre outras, fazem parte do projeto.
A pesquisa também prevê participação das comunidades locais em todas as fases de desenvolvimento.
Colíder do pacote de trabalho pela Pictis, a chefe do Laboratório de Doenças Parasitárias do IOC/Fiocruz, Martha Suárez-Mutis, ressalta a importância da abordagem multidisciplinar e participativa da pesquisa. “Muitas entidades nacionais e internacionais produzem dados, incluindo informações em clima, ambiente, população, doenças. Só que esses dados não conversam de forma que a gente possa entender quais problemas podem ocorrer nos territórios com as mudanças climáticas e ambientais. Por outro lado, as comunidades têm muito conhecimento, que precisa ser considerado pela ciência para pensar em formas de mitigar esses problemas”, destaca Martha.
Para integrar tantos conhecimentos diversos, o projeto Mosaic está estruturado em pacotes de trabalho que abrangem articulação com atores locais, soluções técnicas e tecnológicas para levantamento e harmonização de dados e disseminação de informações.
Saúde nas fronteiras
As três regiões no foco da pesquisa já vivenciam problemas de saúde ligados às mudanças climáticas e à degradação ambiental, por exemplo, com as secas. Na Amazônia, a seca extrema no final do ano passado prejudicou desde o acesso à água potável até a mobilidade. No Leste da África, a pior seca em 40 anos foi registrada entre 2020 e 2022, levando à morte de rebanhos, destruindo plantações e aumentando a insegurança alimentar.
Os pesquisadores apontam contextos sociais e políticos, que aumentam a vulnerabilidade das populações nesses territórios. “A saúde nas fronteiras tem desafios maiores na vigilância e no controle de doenças porque o ambiente é compartilhado. As pessoas, os animais e as doenças transitam entre os países, mas existe muita dificuldade no acesso e no compartilhamento de informações”, pontua Paulo.
Histórico de cooperação
A primeira reunião de coordenadores do projeto foi realizada em fevereiro, em Montpellier, na França. Os cientistas dos países envolvidos compartilharam dados obtidos em estudos anteriores e discutiram o planejamento da pesquisa.
Nas fronteiras amazônicas, pesquisadores da Fiocruz vêm desenvolvendo investigações relevantes, incluindo projetos para eliminação da malária e vigilância transfronteiriça de doenças com abordagem participativa e cooperação com diversas instituições internacionais. Parte dos estudos está inserida nas atividades do Laboratório Misto Internacional Sentinela, mantido desde 2018 por Fiocruz, Universidade de Brasília (UnB) e IRD.
Além da Pictis e do IRD, o projeto Mosaic conta com a participação do Centro de Conservação Africano, do Quênia; da Universidade de Warszawski, da Polônia; da Universidade de Lisboa, de Portugal; do Centro Hospitalar de Caiena, da Guiana Francesa; do Instituto Nacional de Pesquisa para Agricultura, Alimentação e Ambiente, do Centro de Cooperação Internacional em Pesquisa Agronômica para o Desenvolvimento e das Universidades de Perpignan, D’Aix Marselha e D’Artois, da França.
A Universidade de Brasília (UnB), a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) e a Universidade Nacional da Colômbia são parceiras do projeto.
Pictis
Um mecanismo inovador de cooperação internacional, a Pictis foi instituída a partir do Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação, que estimulou a internacionalização da ciência brasileira. A plataforma foi estabelecida a partir do acordo de cooperação firmado, em março de 2021, pela Fiocruz, por meio do IOC/Fiocruz, com a Universidade de Aveiro.
Com sede no ‘PCI Creative Science Park’, em Aveiro, a Pictis amplia as possibilidades de estudos colaborativos e participação em consórcios e redes internacionais de pesquisa. A submissão por meio da Plataforma foi decisiva para garantir a participação no edital Horizon Europe, visto que seria necessário apresentar candidatura por meio de proposta vinda de um país europeu. O recurso captado ficou na faixa de 1,2 milhão de Euros, apenas para a parte da pesquisa conduzida pela Pictis. O valor total do financiamento obtido pelo projeto é de aproximadamente 6 milhões de Euros para o período de quatro anos.
A plataforma está estruturada em seis laboratórios setoriais de pesquisa: Inovação; Saúde única e global; Saúde digital e indústria 4.0 no setor biofarmacêutico; Fármacos, medicamentos e bioprodutos; Biotecnologia; e Saúde coletiva, atenção primária e humanidades.
Os laboratórios são baseados no trabalho em rede envolvendo equipes multidisciplinares compostas por pesquisadores e professores da Fiocruz e da Universidade de Aveiro, além de instituições ibero-americanas e europeias parceiras do projeto.