A vacina contra a dengue conhecida como Qdenga foi incorporada no Programa Nacional de Imunizações (PNI) pelo Ministério da Saúde, e a previsão é que comece a ser oferecida a partir de fevereiro de forma gratuita.
Com essa iniciativa, o Brasil se torna o primeiro país do mundo a oferecer o imunizante no sistema público de saúde.
Em clínicas privadas, a Qdenga também está disponível em países da União Europeia, Indonésia, Tailândia e Argentina.
A vacina é fabricada pela farmacêutica Takeda Pharma e ainda não será oferecida em larga escala porque a empresa ainda possui uma capacidade restrita de fornecimento de doses.
As doses poderão ser tomadas por pessoas de quatro a 60 anos, mesmo se a pessoa nunca teve dengue, o que é uma mudança importante em relação à última vacina aprovada pela Anvisa no Brasil, a Dengvaxia, que tinha como pré-requisito uma infecção prévia.
Aumento de casos de dengue
No início do último mês de dezembro, o Ministério da Saúde divulgou um boletim mostrando um aumento de 15,8% nos casos de dengue no Brasil em 2023, em comparação ao ano anterior.
As ocorrências saltaram de 1,3 milhão em 2022 para 1,6 milhão.
No mesmo ano, o Brasil registrou o maior número de mortes por dengue em um único ano, conforme revelado pelo painel de monitoramento das arboviroses do Ministério da Saúde.
Até o dia 27 de dezembro, foram confirmados 1.079 óbitos, e outros 211 estão em processo de investigação, aguardando resultados.
“As alterações climáticas em curso impactam tanto as temperaturas quanto a quantidade de chuvas, e no Brasil, ambos os fatores aumentaram. Isso favorece a proliferação do mosquito Aedes aegypti e eleva a probabilidade de transmissão da dengue. Precisamos estar muito atentos à situação epidemiológica em 2024, há uma grande risco de aumento nos casos”, diz Cláudia Codeço, pesquisadora da Fiocruz e coordenadora do InfoDengue.
Confira abaixo cinco pontos importantes sobre como vai funcionar a vacinação contra a dengue no Brasil.
1. Qual é a proteção oferecida pela vacina
A vacina contém vírus vivos atenuados da dengue, que foram enfraquecidos de forma controlada.
Essa técnica permite desencadear uma resposta imunológica eficaz sem causar a doença completa, possibilitando uma reação mais rápida do corpo em casos de exposição real à doença.
A vacina deve ser administrada em um esquema de duas doses, com intervalo de 3 meses.
A dengue possui quatro sorotipos, e quando alguém é infectado por um deles, adquire imunidade contra aquele tipo específico, mas ainda fica suscetível aos demais.
Embora a empresa responsável pela vacina tenha divulgado uma eficácia global de 80%, esse percentual engloba os resultados de todos os sorotipos.
Ao analisá-los individualmente, a eficácia do imunizante variou para cada sorotipo.
Passados 18 meses após a segunda dose, para o tipo 1, a taxa foi de 69,8%. Para a dengue 2, o melhor resultado, de 95,1%, e para o subtipo 3, o menos satisfatório, de 48,9%.
Em relação ao subtipo 4, a Takeda afirmou à BBC News Brasil que a quantidade de casos testados não foi suficientemente alta para chegar a uma conclusão.
Felipe Naveca, pesquisador em saúde pública da Fiocruz, destaca que a eficácia reduzida contra o subtipo 3 e a ausência de dados para o subtipo 4 são desafios do imunizante administrado em um número elevado de pessoas.
Como pano de fundo, está a ressurgência de ambas as variantes da dengue no Brasil, após um período prolongado sem novos casos no país — 15 anos sem casos de dengue 3 e 5 anos sem casos de dengue 4.
“Temos uma parcela significativa da população com até 15 anos que não teve exposição principalmente à dengue 3, que apareceu pela última vez em 2008. Isso os torna suscetíveis à infecção por esse vírus”, diz Naveca, que coordena laboratórios de arboviroses e viroses emergentes da Fiocruz.
Os sorotipos 3 e 4 não causam, necessariamente, quadros mais graves.
Na dengue, a gravidade da doença está associada à infecção secundária — ou seja, uma pessoa que teve dengue pela primeira vez, seja por qualquer sorotipo, corre um risco maior de desenvolver uma forma mais severa ao ser infectada novamente.
Assim, para quem for se vacinar, é importante considerar a proteção menor quando a infecção secundária for por dengue 3 ou 4.
Apesar disso, o pesquisador reforça que a boa eficácia da nova vacina contra a dengue 1 e 2, e a possibilidade de ela reduzir os riscos de uma segunda infecção pela doença são pontos positivos, especialmente para populações que vivem em áreas endêmicas.
2. Quem pode se vacinar?
Embora os grupos mais vulneráveis aos casos graves e mortes por dengue sejam crianças pequenas e idosos, segundo a Anvisa, a Qdenga é indicada para quem tem mais de quatro anos e para adultos com até 60 anos — não há estudos para avaliar a eficácia e a segurança da vacina fora dessa faixa etária.
Pode receber o imunizante quem já teve dengue e também quem nunca foi infectado.
No entanto, gestantes, lactantes e pessoas com alergia a algum dos componentes presentes no imunizante, quem tem o sistema imunológico comprometido ou alguma condição imunossupressora não podem ser vacinadas com a Qdenga.
3. Processo de aprovação
O registro do imunizante foi aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em março de 2023.
Desde então, sua aplicação está autorizada no país, e as doses passaram a ser comercializadas em clínicas particulares, com o valor variando entre R$ 300 e R$ 800.
Em outubro, a OMS (Organização Mundial da Saúde) passou a recomendar a vacina contra a dengue desenvolvida pela Takeda.
Em nota, o órgão destacou que a doença “representa um fardo significativo para a saúde pública em países endêmicos” e alertou que esse impacto “deverá aumentar ainda mais, tanto em termos de incidência como de expansão geográfica, devido às alterações climáticas e à urbanização”.
Além de receber o registro sanitário, os imunizantes precisam ser avaliados pela Conitex (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde), um órgão que assessora o Ministério da Saúde na incorporação, exclusão ou alteração de medicamentos, procedimentos e equipamentos oferecidos no SUS.
A análise da Conitec busca avaliar a eficácia (como a tecnologia em saúde age no contexto de um estudo clínico), a efetividade (como ele age no contexto real) e a segurança do produto em análise.
Para a Qdenga, a consulta pública começou no dia 6 de dezembro de 2023 e a vacina teve aprovação para ser incluída no PNI (Programa Nacional de Imunizações) em 21 de dezembro.
O virologista Flavio Fonseca afirma que a aprovação foi rápida, possivelmente pela experiência que os órgãos regulatórios adquiriram durante a pandemia da covid-19.
“Eles estão realmente mais ágeis no recebimento e avaliação de dados preliminares, pré-clínicos e clínicos, dada a experiência que vivemos”, afirma ele, que é professor no CTVacinas (centro de pesquisas em biotecnologia) e no departamento de Microbiologia da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).
4. Como será vacinação
Dourados, no Mato Grosso do Sul, foi a primeira cidade brasileira a começar a vacinação em grande escala, iniciada na última quarta-feira (3/1).
Essa oportunidade antecipada para o município ocorreu por meio de uma parceria entre a Secretaria de Saúde local e a Takeda, responsável pela fabricação da vacina.
Em outras partes do Brasil, o Ministério da Saúde planeja iniciar a vacinação a partir de fevereiro, com um calendário a ser divulgado em breve.
No entanto, inicialmente, a imunização não será realizada em larga escala, sendo direcionada para públicos e regiões prioritárias.
Isso se deve ao fato de que a empresa Takeda comunicou que sua capacidade de fornecimento da vacina Qdenga é limitada.
O laboratório já estabeleceu um cronograma de entrega das 5,082 milhões de doses previstas para 2024.
O esquema vacinal será composto por duas doses, que devem ser aplicadas com intervalo de três meses uma da outra.
A distribuição das doses previstas pelo PNI, é:
- 460 mil doses em fevereiro
- 470 mil em março
- 1.650 milhão em maio e agosto
- 431 mil em setembro
- 421 mil em novembro
5. Diferença entre QDenga e Dengvaxia
A Dengvaxia, uma vacina contra a dengue desenvolvida pela farmacêutica Sanofi, foi aprovada em 2015 por várias agências regulatórias globais, incluindo a Anvisa.
Os dados eram suficientemente bons para a aprovação.
Mas, com o passar do tempo, e a aplicação da vacina em larga escala, com grupos muito maiores do que o que foi usado no estudo, descobriu-se que esse imunizante poderia aumentar o risco de dengue grave em indivíduos sem histórico prévio de exposição ao patógeno antes da vacinação.
Consequentemente, as doses passaram a ser recomendadas apenas para aqueles com histórico da doença, visando proporcionar proteção contra a infecção, que causa quadros mais graves.
Antes da administração das doses, era necessário realizar um exame de sangue para verificar a presença de anticorpos contra qualquer sorotipo da dengue.
Na prática, as restrições acabaram eliminando a vacina como uma candidata para implementação na rede pública de saúde.
“Essa vacina, aprovada anteriormente, apresenta diversas limitações. Além do pré-requisito de teste, exige a aplicação de três doses, com intervalos de seis meses, para conferir proteção. Diante dessas considerações, nunca houve uma perspectiva realista de sua aplicação em larga escala na saúde pública”, afirmou o médico Renato Kfouri, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), em entrevista à BBC News Brasil em março de 2023.
Na avaliação do virologista Flavio Fonseca, a vacina da Sanofi tinha uma série de limitações que a Qdenga não apresentou.
“É claro que a Quedenga é nova e pode ser que problemas surjam no futuro, como todo novo medicamento. Apenas quando uma vacina é licenciada é que você tem um uso internacional grande o suficiente para que você comece a detectar problemas que normalmente nos testes não surgem.”
Ainda assim, o especialista considera a aprovação um passo importante.
“Mesmo considerando possibilidades de efeitos adversos, que todos os medicamentos, incluindo os simples como aspirina e dipirona, têm, em termos individuais, eles são muito menos frequentes ou graves do que a infecção pelo vírus da dengue pode causar.”
Vacina nacional?
O governo brasileiro também aposta na produção nacional de imunizantes para o combate à dengue.
Atualmente, o Instituto Butantan tem uma vacina em fase de testes e o pedido para aprovação do medicamento na Anvisa deve ser feito no ano que vem.
Em nota, o instituto diz que a vacina, que é tetravalente, está na fase 3 dos ensaios clínicos.
“A previsão para o término do estudo é 2024, quando o último participante completar 5 anos de acompanhamento. Em dezembro de 2022, o instituto divulgou os resultados preliminares do estudo, que mostram 79,6% de eficácia geral para prevenir casos de dengue sintomática.”
Colaborou Simone Machado