Quatro grandes laboratórios farmacêuticos brasileiros foram vistoriados por consultores da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia). A conclusão: o país tem tecnologia suficiente para produzir medicamentos anti-retrovirais de segunda linha, empregados quando os pacientes oferecem resistência aos medicamentos que de primeira linha utilizados.
Segundo o documento A produção de anti-retrovirais no Brasil: Uma avaliação, produzido pelo Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual da Rede Brasileira pela Integração dos Povos (GTPI/Rebrip), coordenado pela Abia, o país está preparado para competir com os principais produtores mundiais do setor.
Durante o primeiro quadrimestre de 2006, o estudo analisou a capacidade instalada no Instituto de Tecnologia em Fármacos (Far-Manguinhos/Fiocruz), no Rio de Janeiro, no Laboratório Farmacêutico do Estado de Pernambuco (Lafepe), em Recife, na Nortec Química, no Rio de Janeiro, e na Cristália, em São Paulo. Foram analisadas a produção de princípios ativos e a capacidade de produzir doses prontas.
Renata Reis, coordenadora do GTPI, explica que no início dos tratamentos são utilizados medicamentos anti-retrovirais de primeira linha. A grosso modo, esses são os medicamentos mais antigos, desenvolvidos na década de 1990, explica à Agência FAPESP.
Os medicamentos de segunda linha não são produzidos no Brasil pois estão protegidos por patentes, afirma. O país passou a reconhecer patentes de produtos farmacêuticos a partir de 1996. Todos os medicamentos novos patenteados por indústrias farmacêuticas internacionais não poderiam ser produzidos no Brasil a partir dessa data, explica Renata.
Essa situação implica altos gastos com a importação de milhares de doses de anti-retrovirais. Essas indústrias detêm o monopólio da produção e podem cobrar o preço que quiserem, diz Renata. Segundo a coordenadora do GTPI, o sistema de patentes prevê flexibilidades tanto na Lei de Patentes nacional quanto no acordo internacional que rege a matéria. Para respeitar interesses públicos e emergências nacionais, e ainda coibir abusos dos detentores de patentes, a legislação permitiria que o Brasil começasse a produzir esse tipo de medicamento, mesmo não sendo titular da patente.
É a chamada quebra de patentes ou licenciamento compulsório. Até então, o principal argumento técnico usado pelo governo federal para não licenciar e não produzir medicamentos é que o país não tinha capacidade tecnológica para isso. O nosso relatório atesta exatamente o contrário, disse Renata.
Para ela, a partir do relatório da Abia, produzir ou não medicamentos anti-retrovirais de segunda linha depende de vontade política. Nossa intenção foi mostrar que temos capacidade instalada para produzir nacionalmente medicamentos de segunda linha, o que é uma alternativa à sustentabilidade do Programa Nacional de HIV/Aids, explica.
A continuidade do programa, que garante o acesso a todos os medicamentos necessários para o tratamento da doença, depende da concordância do governo em emitir a licença compulsória para o início da produção nacional dos anti-retrovirais de segunda linha. O Brasil começou a produzir medicamentos contra a Aids em 1993. Atualmente, todos os sete medicamentos feitos no país são de primeira linha.