Revista aborda a persistência da sífilis como desafio para a saúde pública no Brasil

Imagem da bactéria Treponema pallidum, causadora da sífilis (Foto: Biomanguinhos/Fiocruz)

A edição de maio da revista Cadernos de Saúde Pública tem como tema principal a persistência da sífilis como desafio para a saúde pública no país. “No Brasil, é inequívoca a persistência da sífilis como problema de saúde pública, diante da limitação de acesso a diagnóstico e tratamento adequados na rede de atenção do SUS. O desafio se amplia no atual momento político-institucional pelas mudanças desestruturantes da atenção primária à saúde mediante novas modalidades de financiamento do SUS”. Para o editor associado da publicação, Alberto Novaes Ramos Jr., alcançar o controle da sífilis no Brasil requer seguir firme nos caminhos para fortalecer o SUS.

De acordo com editorial da revista, esse novo modelo tem sido aprofundado desde a promulgação da emenda constitucional nº 95 em 2016, que limitou por 20 anos gastos públicos em contexto de crises sem precedentes e de austeridade. “Abre-se, portanto, espaço para desconstrução da universalidade no SUS gerando, além da limitação de acesso, ampliação de desigualdades, com impactos no controle da sífilis”.

Segundo texto, a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconheceu que, apesar dos avanços da prevenção e tratamento no escopo da estratégia global do setor saúde para HIV, hepatites virais e infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) para 2016-2021, persistiram críticos problemas (mesmo antes da pandemia por Covid-19) que podem comprometer o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável para 2030. Um dos grandes desafios para alcance do controle tem sido implementar ações de atenção à saúde integradas à vigilância e controle, com garantia de acesso a diagnóstico, tratamento e monitoramento na atenção primária à saúde (APS).

Dados do Ministério da Saúde de 2012-2018 indicam variação na taxa de detecção de sífilis adquirida (por 100 mil habitantes), de 14,4 para 74,4, e em gestantes, de 5,7 para 21,5, assim como na taxa de incidência de sífilis congênita (por mil nascidos vivos), de 4,0 para 9,0. Esse aumento está associado a fatores como acesso a testagem rápida, além de desinformação, menos utilização de preservativos, redução da utilização da penicilina benzatina na APS e desabastecimento do fármaco. A limitação de acesso ao insumo farmacêutico ativo da penicilina tem trazido grandes desafios. O desabastecimento em serviços de saúde do Município do Rio de Janeiro demonstrou não homogeneidade no tempo (2014, 2015 e 2017) e no espaço, principalmente em áreas programáticas mais pobres e com maior detecção de sífilis. Apesar da magnitude da sífilis, continua Alberto, os dados no país podem traduzir subestimativas por subnotificação, comprometendo ações de planejamento em saúde. Destaca-se também o efeito em 2020-2021 da Covid-19 com redução da detecção de casos.

A sífilis congênita pode ser prevenida por diagnóstico e tratamento adequados na gestação. Sua persistência evidencia problemas na atenção materno-infantil, em especial no pré-natal, pelo não acesso a diagnóstico ou por acesso tardio a resultados, ou, ainda, por tratamento inadequado, interrompido ou ausente da sífilis materna. Reitera-se que a atenção pré-natal deve envolver a participação do pai ou parceiro(s) da gestante para diagnóstico da sífilis ou outras ISTs, com tratamento adequado.

O Brasil tem registrado aumento sustentado na cobertura do pré-natal, com diferenças regionais que incluem também a qualidade da atenção. A análise de dados de 2012-2018, disponíveis pelos três ciclos do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB), verificou tendência de aumento (de 71% para 81%) na proporção de mulheres com pré-natal na APS, acrescenta o editor.

Um estudo em capitais brasileiras reconheceu taxa média de adequação da atenção pré-natal de aproximadamente 80%, com desempenho heterogêneo entre regiões. A inadequação do pré-natal esteve associada ao pior Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M), idade inferior a 20 anos, escolaridade inferior a quatro anos, raça/cor não branca e ausência de companheiro. Por sua vez, casos de sífilis gestacional estiveram associados à maior proporção de adolescentes, baixa escolaridade e não brancas. Quase 20% das mães de crianças com sífilis congênita não tiveram consultas de pré-natal, sete vezes mais que a população geral. Além disso, verificou-se qualidade insuficiente do diagnóstico, manejo e tratamento da sífilis gestacional. A análise do PMAQ-AB evidenciou disponibilidade insuficiente de insumos: 27,3% para testes rápidos para sífilis, 67,7% para penicilina benzatina e 86,7% para administração pela equipe da APS.

A sífilis apresenta elevada e crescente prevalência em populações vulnerabilizadas, aponta o editorial, particularmente homens que fazem sexo com homens, trabalhadoras do sexo e pessoas privadas de liberdade, com diferenças entre as regiões. As dimensões de vulnerabilidade na sífilis são reconhecidas também pela maior proporção da doença em mulheres, particularmente pardas/pretas. A prevalência de pelo menos uma IST em mulheres quilombolas foi estimada em 18,5% (sífilis, 4,3%), em contextos de baixa escolaridade e limitação de acesso a serviços de saúde.

O Primeiro Inquérito Nacional de Saúde e Nutrição dos Povos Indígenas (com quase 4 mil mulheres) demonstrou significativas desigualdades étnico-raciais. Houve menor acesso à pré-natal comparativamente a mulheres não indígenas e a populações com elevada vulnerabilidade social e baixa cobertura de atenção à saúde (Amazônia Legal e Nordeste). Apenas 16% das gestantes indígenas realizaram seis ou mais consultas de pré-natal e, dessas, 57,6% tiveram solicitação de exames para sífilis.

A desigualdade no acesso a consultas de pré-natal e à realização oportuna de exames para diagnóstico da infecção por HIV e da sífilis tem sido também verificada. Contribuem fatores individuais relacionados à escolaridade das gestantes, assim como fatores contextuais relativos a IDH-M e índice de Gini, demonstra a pesquisa.

Ainda diz o editorial que o atributo “longitudinalidade” do cuidado na APS deve ser reconhecido como dimensão no SUS para controle da sífilis. A verificação da baixa proporção de mulheres com realização de consulta puerperal limita encontros significativos com profissionais da saúde, com impactos negativos na saúde atual e futura de mulheres e crianças. Insere-se também a distribuição equitativa de serviços de saúde com vistas a superar restrições da universalização do acesso. Ramos Jr destaca a necessidade de avançar nos debates acerca do controle da sífilis. “A revista tem buscado contribuir ao longo de sua trajetória. Desde 1985, foram publicados aproximadamente 40 artigos relacionados.

Sintomas da doença

Lesões duras, mas nem sempre doloridas nos órgãos genitais são o primeiro sintoma da sífilis. Chamadas de cancros, elas geralmente aparecem nos genitais, mas podem ocorrer também no ânus, na pele, na gengiva, na palma das mãos e na planta dos pés. Mesmo sem tratamento, essas lesões costumam desaparecer em alguns dias, mas a doença continua ativa no organismo e pode provocar outros sintomas: manchas avermelhadas na pele e nas mucosas (sífilis secundária) e alterações no sistema nervoso central (sífilis terciária).

Transmissão

A sífilis é uma doença infectocontagiosa, sexualmente transmissível, causada pela bactéria Treponema pallidum. Pode também ser transmitida verticalmente, ou seja, da mãe para o feto, por transfusão de sangue ou por contato direto com sangue contaminado. Se não for tratada precocemente, pode comprometer vários órgãos como olhos, pele, ossos, coração, cérebro e sistema nervoso.

Prevenção

O uso de preservativos durante as relações sexuais é a única maneira de prevenir a doença.