O Dia Nacional dos Ostomizados é celebrado em 16/11, instituído pela Lei Nº 11.506/2007, e tem o objetivo de divulgar informações que contribuam para combater o preconceito contra as pessoas que utilizam o procedimento da estomia. Estomizados são pessoas que devido à má formação congênita, tumores intestinais, doença inflamatória intestinal, traumas abdominais, entre outras causas, foram submetidas a um procedimento cirúrgico para a abertura de um orifício, conhecido como estoma, para a saída de fezes ou urina. De acordo com o Ministério da Saúde, existem mais de 400 mil pessoas estomizadas no Brasil.
Os estomas podem estar relacionados ao sistema urinário, digestivo, respiratório e de alimentação. Nos casos de estomia digestivo e urinário, o paciente utiliza uma bolsa coletora diretamente ligada ao intestino grosso ou delgado para a eliminação de fezes e/ou urina. A cirurgia para a realização de estomas pode ocorrer nas diferentes faixas etárias, desde neonatos até idosos, sendo necessária em uma variedade de condições, tais como as doenças crônico-degenerativas, entre elas o câncer, a Doença de Chagas, as doenças inflamatórias (Retocolite Ulcerativa Inespecífica e Doença de Crohn), mal formações congênitas, traumas abdômino-perineais, doenças neurológicas e outras.
Mais informação, menos preconceito
Segundo o Guia de Atenção À Saúde da Pessoa com Estomia, do Ministério da Saúde, “condições traumáticas ou patológicas podem gerar necessidade de uma estomia para a manutenção da vida. Acredita-se que viver com estomia seja um desafio para a maioria das pessoas, as quais necessitam de cuidado e atenção qualificada dos profissionais de saúde, suprindo a demanda de assistência e a educação para o autocuidado”.
O guia também explica que “a pessoa com estomia poderá passar por uma turbulência de pensamentos e emoções relacionadas ao tratamento e reabilitação, além da adaptação ao novo estilo de vida. Portanto, preconiza-se que a assistência deva ocorrer de forma integral, considerando os diversos aspectos biopsicossociais, fisiopatológicos, nutricionais, psicológicos, sociais e espirituais da pessoa com estomia. Para tanto essas características individuais devem ser avaliadas e consideradas no seu contexto familiar, cultural, religioso, comunitário, sociais, econômicos, de escolaridade, dentre outros”.
Já a Federação Médica Brasileira destaca que “o portador de uma ostomia muitas vezes sofre com o preconceito, devido ao fato de que após a cirurgia o paciente deve ter cuidados especiais e algumas limitações, mas nada impede que ele mantenha uma vida normal de afazeres. O principal desafio é a própria aceitação da pessoa que foi submetida à cirurgia, passando a entender os desafios e aceitar a sua nova condição de vida. Dessa forma, nada mais certo do que conscientizar as pessoas que convivem com ostomizados de que devem deixar o preconceito de lado e ajudar as pessoas que passam por esses desafios, servindo como apoio”.
Entrevista sobre o tema com profissionais do Instituto Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz)
Noélia Leite – enfermeira estomaterapeuta do IFF/Fiocruz
Como o IFF/Fiocruz atua no atendimento aos usuários estomizados?
Noélia: O Serviço de Estomaterapia do IFF/Fiocruz atua visando a promoção da saúde da criança com estomas e sua família. O atendimento às crianças e suas famílias compreende não apenas os aspectos envolvidos no viver e conviver com um estoma e suas implicações de natureza física, com os cuidados locais e prevenção de complicações. Focamos também nos aspectos sociais, inclusão escolar e familiar, bem como os aspectos emocionais de aceitação da condição de saúde da criança e o impacto na vida familiar.
A abordagem educativa com a criança e familiar é pautada no modelo dialógico reflexivo de Paulo Freire, respeitando o saber familiar e possibilitando a construção conjunta de formas de cuidado singulares e adequadas a cada caso. Atuamos através de consultas preparatórias para a cirurgia, quando esta é eletiva e há tempo hábil, e consultas preparatórias para a alta hospitalar, bem como acompanhamento ambulatorial dos pacientes após a alta. A clientela compreende atendimento desde recém-nascidos até adolescentes.
Como a família pode contribuir no cuidado à pessoa com estomia?
Noélia: O cuidado à criança com estomas exige da família a adoção de inúmeras medidas de readaptação às atividades do dia a dia, por exemplo, o aprendizado das ações de cuidado do estoma e da pele periestomal (pele ao redor do estoma), manuseio de sondas e equipamentos médicos, como aspiradores e nebulizadores, além dos impactos sociais, emocionais e financeiros.
O momento da alta hospitalar é um desafio para estas famílias. Neste sentido, temos o compromisso de incluir as famílias nos cuidados de saúde, compreendendo a família como sujeito principal da nossa ação de cuidar, em especial, da saúde da criança. O cuidado às crianças com estomas deve envolver uma abordagem que reconheça a família em uma relação de parceria com os profissionais, em razão da importância da família para a sobrevivência delas.
Maria Lucia da Silva Augusto – cirurgiã pediátrica do IFF/Fiocruz
Qual a importância do empoderamento e conhecimento adequado da condição para o próprio paciente participar e contribuir com o processo (tratamento, reabilitação e adaptação ao novo estilo de vida)?
Maria Lucia: Acho fundamental que o paciente entenda que a vida lhe deu uma chance para um novo recomeço, e que a estomia não é um problema, mas sim a solução para continuidade de sua vida. Um processo que traz mudanças no estilo de vida, que necessita da aprendizagem do seu autocuidado envolvendo as estomias.
Em épocas passadas, o paciente portador de estomias estava fadado ao isolamento social e desconforto. Atualmente, com o avanço das técnicas cirúrgicas das estomias, com a melhoria de materiais médicos no cuidado das estomias, com a aquisição de direitos garantidos por lei aos estomizados e profissionais da saúde especializados no cuidado das estomias, o enfermeiro(a) estomatoterapeuta, aumentam as chances de que suas atividades cotidianas, como o trabalho, a escola e o lazer, sejam minimamente afetadas. Estes benefícios são atribuídos em grande parte a atitude de pessoas estomizadas que não tiveram medo ou vergonha de ser estomizados, se engajaram social e politicamente na melhoria da qualidade de vida.
A sociedade pode e deve incentivar a inclusão das pessoas estomizadas. Quais as suas orientações para o dia a dia?
Maria Lucia: A minha primeira orientação é direcionada ao estomizado. O seu autoconhecimento e disposição para mudança será fundamental. Ter consciência que a estomia é sua chance de vida, mas gera mudanças, adaptações que com a evolução da tecnologia e conhecimentos da ciência, facilitaram muito a vida dos estomizados. Existe qualidade de vida após a estomia. Ter atitude sobre sua nova condição, participar ativamente dos processos de cuidado, orientando profissionais da saúde, gestores de saúde e autoridades da saúde na busca de melhores cuidados.
A minha outra orientação é para a equipe de saúde que trata da pessoa com estomia. A equipe deve ter caráter multiprofissional, com comunicação coordenada e segura, com o objetivo de garantir uma adaptação adequada ao novo contexto de vida. Oferecer a melhor técnica cirúrgica, melhor educação para seu autocuidado, disponibilizar dispositivos adequados e apoio social e psicológico quando necessário.
A outra orientação é para os gestores de saúde e autoridades de saúde, fazer valer os direitos conquistados por lei, de garantir acesso aos dispositivos de estomia de qualidade para permitir atividades do cotidiano, fundamental para sua adaptação ao novo estilo de vida, e que infelizmente ainda encontramos na nossa realidade.
Outro ponto que acho fundamental é a abertura de discussão com a sociedade, que vem ganhando força com as associações de estomizados no Brasil e no mundo, e iniciativas como a criação do Dia Nacional dos Ostomizados, oportunidade para educar a sociedade sobre o assunto e mitigar preconceito, geralmente gerado por desconhecimento.
Aline Rodrigues Almeida – assistente social do IFF/Fiocruz
Quais os direitos que os pacientes estomizados e seus familiares precisam saber e colocar em prática?
Aline: Pessoas com estoma usufruem dos mesmos direitos que beneficiam as pessoas com deficiência física. Além disso, elas possuem benefícios específicos, contempladas pela Portaria nº 400, de 16 de novembro de 2009, do Ministério da Saúde, que garante o acesso aos “Serviços de Atenção à Saúde de pessoas estomizadas” com o objetivo de promover orientações sobre o autocuidado e o acesso de equipamentos coletores e adjuvantes de proteção e segurança.
Vale salientar que os serviços devem ser executados pelos municípios e devem contemplar a capacitação de todos os familiares que participam ativamente da vida diária das pessoas com estoma. No caso de crianças e adolescentes, pode ser necessária a participação de profissionais da escola com o objetivo de prestar uma assistência especializada que promova esclarecimentos para prevenção de possíveis intercorrências.
Qual a importância da informação no combate ao preconceito?
Aline: A vida da pessoa que realiza a cirurgia de colocação de estoma passa por diversas transformações na vida diária. Além da adaptação do dispositivo, o indivíduo precisa lidar com a mudança da imagem corporal e, ademais, com diversos mitos arraigados na nossa cultura relacionada aos padrões de beleza e idealização do corpo.
A insegurança, autoestima baixa e as possíveis dificuldades associadas ao desempenho sexual são alguns dos fatores que podem gerar consequências sociais e psicológicas difíceis de serem superadas.
Desse modo, é importante divulgar informações sobre o tema com o objetivo de diminuir os aspectos negativos associados à doença. Cabe ressaltar que o apoio da família e dos amigos é essencial para minimizar as barreiras que impedem a socialização e acesso aos direitos inclusivos.
Serviço
Em 9/11/2021, o Ministério da Saúde, por meio da Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde, lançou a portaria Nº 70, que torna pública a decisão de incorporar, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), a sonda botton para gastrostomia em crianças e adolescentes.
Decreto nº 5.296, de 2 de dezembro de 2004: atendimento prioritário
Portaria 400, de 16 de novembro de 2009: estabelece as Diretrizes Nacionais para a Atenção à Saúde das Pessoas Ostomizadas no âmbito do SUS
Acesse aqui a Cartilha do Homem Ostomizado
Acesse aqui a cartilha da Mulher com ostomia – você é capaz de manter o encanto