A busca de soluções coordenadas para um problema comum reuniu representantes de Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Bolívia nesta terça-feira (9/11), no auditório do Instituto em Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz). Organizado pela Presidência Pro Tempore do Brasil no Mercosul, o Seminário Técnico sobre Acesso a Vacinas Covid-19: Estratégias Nacionais e Possibilidades de Expansão da Capacidade Produtiva Regional trouxe o compartilhamento de experiências e desafios. As propostas surgidas no debate – como a sugestão de um mapeamento das capacidades e necessidades dos países do bloco – serão encaminhadas aos ministros da Saúde da região, que se reúnem no próximo dia 19 em Foz de Iguaçu, Paraná.
Seminário reuniu na Fiocruz representantes de cinco países (foto: Marcos Lopes / Ministério da Saúde)
As experiências relatadas foram diversas, mas as dificuldades muitas vezes eram as mesmas. Se o Brasil se valeu de instituições públicas, como Fiocruz e Butantan, na busca por imunizantes, a Argentina apostou num consórcio público-privado, enquanto Paraguai e Uruguai enfrentaram a demora na chegada de vacinas.
“Sessenta e cinco por cento das doses já distribuídas no Brasil foram fabricadas em território nacional, por Fiocruz e Butantan”, observou o ministro Marcelo Queiroga, em vídeo, ao dar as boas-vindas aos participantes. “Temos apoiado as discussões para o aumento do acesso às vacinas, e o Mercosul é o local por excelência para esse debate”.
Evento presencial
O seminário foi organizado pela Assessoria de Assuntos Internacionais em Saúde (Aisa/Ministério da Saúde), Ministério de Relações Internacionais, Centro de Relações Internacionais em Saúde (Cris/Fiocruz) e Bio-Manguinhos/Fiocruz. O embaixador Michel Arslanian, diretor do Departamento de Mercosul e Integração Regional do Itamaraty, destacou que o bloco não deve se restringir às questões comerciais. A Presidência Pro Tempore do Brasil escolheu a recuperação pós-pandemia como um tema transversal, disse, “mas, para isso, é preciso ter sucesso em nossos esforços de vacinação e fortalecer nossas capacidades para enfrentar eventuais emergências sanitárias”, afirmou. Marina Pittella, chefe da Aisa, por sua vez, destacou a necessidade de pensar estratégias conjuntas para a região.
Presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima celebrou o fato de que a queda no número de casos de Covid-19 tenha permitido que o seminário fosse em grande parte presencial, mas com número reduzido de participantes no auditório. Nísia lembrou que os tempos de recuperação dos países devem ser diferentes, porque estão associados à capacidade de vacinação, e que será um longo desafio reduzir os efeitos da pandemia. Ela lembrou ainda a escolha da Fiocruz, junto com um instituto argentino, como hub regional para o desenvolvimento de vacinas contra Covid-19 baseadas no RNA mensageiro. “São contribuições da Fiocruz que se somam a outras. Nenhuma instituição sozinha será capaz de dar respostas efetivas a esse grave quadro”, declarou.
Rodrigo Cruz, secretário-executivo do Ministério da Saúde, contou que o país adotou uma estratégia diversificada na aquisição de vacinas, tanto com encomenda de tecnologia – citando o contrato de transferência tecnológica da AstraZeneca para Fiocruz que permitirá a produção de Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA) – como a compra de doses prontas. Embora ainda não haja certeza quanto à necessidade de revacinação, Cruz prevê que o Brasil vai virar o ano com um saldo de 130 milhões de doses. Para 2022, é esperado o fornecimento de 120 milhões de doses com Fiocruz/AstraZeneca e 100 milhões da Pfizer. Isso permitiria vacinar no próximo ano todos os brasileiros de 18 a 60 anos com uma dose, e aqueles acima de 60 anos com duas doses. “Se for comprovada a necessidade de revacinar o grupo de 12 a 18 anos também, teremos doses suficientes”, disse.
Mudanças na legislação
No caso argentino, Pascual Fidelio, diretor da Administração Nacional de Laboratórios, explicou que foi preciso criar uma lei para que as vacinas fossem compradas. Além disso, foi estabelecido um acordo entre o setor público e o privado para o desenvolvimento e produção de vacinas. Cíntia Hernandez, diretora para a Geração de Novas Empresas da Economia do Conhecimento, contou que foram necessárias políticas para o fortalecimento do setor produtivo, com benefícios fiscais a empresas, como por exemplo a conversão de 50% dos gastos em bônus de crédito fiscal.
Outros países também precisaram de legislações específicas, como Bolívia e Paraguai. Além disso, Maria Antonieta Gamarra de Velázquez, da Direção Nacional de Vigilância Sanitária, lembrou que o Paraguai precisou também de um grande esforço de logística.
Na Bolívia, a alteração na legislação permitiu a compra de vacinas por departamentos (estados). Max Francisco Enriquez Nava, diretor do Plano de Imunização, contou que a vacinação já chegou a 64,5% da população com a primeira dose, e 54,6% com duas, “mas que estancou”. A estratégia que o país busca agora é ir “de casa em casa”.
A epidemiologista uruguaia Graciela Pérez Sartori, da Unidade de Imunizações do Ministério de Saúde Pública, contou que seu país usou acordos bilaterais com produtores de vacinas para a compra de imunizantes, e citou dificuldades na distribuição de imunizantes e de seringas especiais.
Um mapa diferente
Pelo lado brasileiro, Dimas Covas, presidente do Instituto Butantan, e Maurício Zuma, diretor de Bio-Manguinhos, destacaram que é preciso conhecer as necessidades e capacidades dos países vizinhos, no que seria um passo inicial para estabelecer parcerias e deixar a região menos dependente da América do Norte, Europa e Ásia nesse setor.
Covas lembrou que a pandemia mostrou a fragilidade da região em relação a imunizantes. “Não falo só de Covid. A maior parte das vacinas que utilizamos não são produzidas integralmente aqui.” Ele lembrou que o contrato que resultou na produção da Coronavac começou antes mesmo da pandemia, com o contato com a Sinovac, que tinha uma vacina contra o Sars. Com o surgimento do Sars-CoV-2, o imunizante foi adaptado, e feito um acordo para o desenvolvimento da fase 3 do estudo no Brasil.
Zuma contou a experiência de Bio-Manguinhos/Fiocruz não só contra o novo coronavírus, lembrando que o instituto exporta vacina contra a febre amarela para 75 países por meio das Nações Unidas. A escolha da parceria com a AstraZeneca permitiu trazer uma nova tecnologia. “A América Latina deixou de investir em seus laboratórios. Lembro de reuniões anos atrás em que países como Venezuela, Peru, todos produziam vacinas. Hoje a produção de muitos deles está prejudicada”, disse.
Para Sotiris Missailidis, vice-diretor de Desenvolvimento Tecnológico de Bio-Manguinhos, a atuação da Fiocruz desde a pesquisa básica ao desenvolvimento, produção, atenção à saúde pública e inovação a deixa mais aberta a fomentar parcerias – algo que pode acontecer no futuro em relação à vacina de mRNA. “O RNA mensageiro pode ser usado não somente contra a Covid-19, mas para o desenvolvimento de vacinas em menor espaço e custos para outros vírus respiratórios sem depender do Norte”.
Próximos passos
James Fitzgerald, chefe do Departamento de Sistemas e Serviços em Saúde da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), ressaltou a melhora da situação na América Latina, que já foi considerada o epicentro da pandemia. Mas a região enfrenta desafios, como dificuldades para conseguir insumos e capacidade de desenvolvimento. “Precisamos de foco integrado e cooperação entre os países, pôr a inovação a serviço da saúde. Uma coordenação multissetorial é fundamental”, disse. “Esperamos que o Mercosul participe ativamente”.
Ao final, Paulo Buss, diretor do Centro de Relações Internacionais em Saúde (Cris/Fiocruz), propôs a criação de um grupo de trabalho em Saúde dentro do Mercosul, apoiado por especialistas, para discutir as propostas surgidas no seminário e preparar sugestões de ações a serem levadas aos ministros. “Esse tema não pode cair no vazio. E o Mercosul precisa de resultados concretos”, concluiu.